por Breno Lucano
Platão foi lido e continua sendo no decorrer dos séculos. Mas com frequência vemos platões diferentes, especialmente quando comparados a diversos períodos históricos. Assim ocorre quando temos o Platão lido por Aristóteles, aquele autor preocupado com a distinção entre o mundo sensível e o mundo inteligível, com o ser e o não-ser e com as questões lógicas do conhecimento.
Se compararmos com o Platão do século VI. O Platão de Plotino é algo bem diverso. Esse é o filósofo preocupado com a teologia: o Bem (a idéia suprema para Platão) é o ser uno e indizível, luz infinita, impensável e incalculável pelo espírito comum, espalhando em emanações capazes de criar o mundo, desde as formas estritamente espirituais até as imanentes.
Para os primeiros cristãos o verdadeiro Platão é o da imortalidade da alma, da crítica do corpóreo, da purificação espiritual, da salvação.
No Renascimento, especialmente com Marcílio Ficino, temos o Platão neoplatônico das emanações do Bem. Devemos com isso considerar ainda, a título de exemplo que a obra mais famosa de Ficino é Teologia Platônica. Nesse período ocorre um entrelaçamento com os filósofos italianos do platonismo com a sabedoria egípcia de Hermes Trismegisto, formando uma filosofia hermética, de magia natural, dos vínculos secretos entre todas as coisas.
O Platão dos românticos do final do século XVIII e início do XIX é o filósofo dos sistemas. Nele a teologia, a política, a ética, a epistemologia são internamente articulados em uma única doutrina acabada e coerente.
Mas qual seria, afinal, o verdadeiro Platão?
Alguns fatores devem ser levados em consideração. O primeiro deve ser considerado que, fora Aristóteles e Carnéades (e outros alunos mais próximos cujas obras ficaram na história), ninguém nunca conheceu a totalidade da obra platônica. Isso se deve ao fato de parte de sua obra ter sido perdida e só atualmente se pode dizer que conhecemos praticamente tudo o que ele escreveu. Outra informação importante que deve ser levada em consideração é o fato de que seus ensinamentos, assim como de todos os fundadores de escolas, eram divididas em duas partes, uma delas escrita e dirigida ao público em geral, e outra não-escrita e dirigida para discussões internas e com portas fechadas.
Os estudiosos de Platão observam que em seus diálogos o personagem Platão nunca aparece e não se pode afirmar que as idéias que os personagem discutem são suas ou não. Além disso, há ainda outra dificuldade: a estrutura dos diálogos se mostram confusas, colocando conversando vivos e mortos, gente que nunca se viu nem se conheceu, fatos que ocorreram antes do nascimento de uma personagem ou após sua morte. Assim, mesmo que tenhamos todas as obras platônicas, as exotéricas (obras para o público geral), desconhecemos as obras esotéricas, destinadas aos alunos da Academia.
Outro fator importante é que nem toda obra exotérica platônica sempre foi conhecida. Por muitos séculos apenas se conhecia o Fedro, o Fédon e o Timeu. Os demais diálogos chegaram ao público apenas no Renascimento com Marsílio Ficino. As interpretações latinas e as cristãs haviam sido feitas a partir daqueles três dialogos e de citações aristotélicas de outras obras não conhecidas. Assim, boa parte da obra platônica até então eram interpretações de textos da maturidade de Platão, lidos sob influência ora dos filósofos estóicos, ora de Aristóteles e, posteriormente, sob o pensamento neoplatônico e hermético.
Há ainda um terceiro fator que talvez seja o mais crítico. Quando perguntamos qual o verdadeiro Platão, pressumimos que exista um Platão real, independente do leitor que o interpreta e deforma sua obra. Assim, a leitura varia de acordo com o leitor, com suas intenções, de sua formação, das circunstâncias em que lê, das condições históricas da épocas em que se lê. Isso fez com que a história da filosofia fosse igualmente equivalente entre os diversos intérpretes no decorrer dos séculos e suas leituras igualmente legítimas.
Assim o que nos resta é a própria obra escrita platônica associada as diversas opiniões que foram formadas a partir dele na história da filosofia. Tudo isso é o platonismo: os diversos diálogos conhecidos e as diversas interpretações motivadas por quesões teóricas e práticas de seu tempo. E, claro, o mesmo vale para qualquer autor da história da filosofia.
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