Religião e Moral

por Breno Lucano

Em termos genéricos, podemos entender religião a fé ou crença na existência de potências sobrenaturais com os quais o homem estabelece relações. Do ponto de vista das relações entre homem e divindade, a religião se caracteriza pelo sentimento de dependência do homem à Deus e pela garantia de salvação da alma ante aos males terrenos.

A salvação num além proposto pela religião indica, como premissa, o reconhecimento da própria religião de que existem males terrenos, ou, em outras palavras, na existência de uma limitação ao pleno desenvolvimento humano. O indicativo de que esse desenvolvimento será concluso em outra vida, de certa forma, demonstra que a religião não se resigna com os males deste mundo e lhes dá uma solução, ainda que no mundo ultraterreno. Em contrapartida, quando se perde de vista que inclui um protesto contra o mundo real, a religião logo se transforma num instrumento de conformismo, resignação ou conservadorismo. Assim, a luta por um mundo melhor cede espaço para a espera passiva de tudo será melhor no além. Essa é a função que a religião desempenhou historicamente durante séculos, colocando-se, como ideologia, a serviço da classe dominante. Mas não foi assim em suas origens, quando a religião cristã nasceu como religião dos oprimidos em Roma.



Quando  estabelecemos relações entre moral e religião é pertinente, antes, recordarmos os predicativos teológicos de Deus. A religião, especialmente em seu aspecto de não enclausuramento, como ocorre com os monastérios, estabelece certa forma de regulamentação entre as relações humanas. Ou seja, estabelece uma moral. Ocorre que os mandamentos de Deus agem também como imperativos morais. A religião se apresenta como garantia de fundamento absoluto da moralidade, bem como de sua realização no mundo. Sem Deus não há moral.

A primeira tese - a religião inclui certa moral - é confirmada tanto pelo comportamento do religioso como por seu comportamento moral. A moral de inspiração religiosa existiu e ainda existe historicamente tendo em vista estrito classicismo: sempre à serviço dos interesses e valores de classes sociais dominantes. No Brasil colonial e imperial os homens dominantes, sejam comendadores, juízes, nobres e até mesmo o Imperador, eram a representação cívica e divina de uma moralidade religiosa que provinha diretamente de Deus e eram próprias apenas a esses homens. Aos pobres, em seu ofício religioso, cabia imitar as grandezas cristãs pela imitação dos santos e, sobretudo, pelo comportamento dos nobres.

No que diz respeito à segunda tese - de que Deus é a garantia da moralidade - pode-se afirmar que a falta desse pressuposto absoluto acarreta na impossibilidade da moral. Daí temos a famosa expressão de Dostoievski: "Se Deus não existe, tudo seria permitido." Não há, portanto, qualquer indício de moralidade que tenha o homem como origem. Toda moral, por menor que seja, nasce de Deus.

Contudo, devemos entender que a moral não apenas não depende da religião como a ela é anterior. Durante milênios, o homem primitivo viveu sem religião, mas não sem certas formas de condutas que estabelecem o núcleo da ação moral. A religião não cria a moral e nem é condição indispensável - em qualquer sociedade - para ela. Mas isso não exclui que a moral de inspiração religiosa desempenha importante função de regulamentação das relações entre os homens. Assim, os princípios básicos dessa moral - como amor ao próximo, respeito à pessoa humana, igualdade espiritual de todos os homens, reconhecimento do homem como pessoa e não como coisa - constituíram, em determinado momento histórico (especialmente entre a escravidão e servidão feudal), um alívio e uma esperança para todos os explorados, os quais se negava aqui na terra amor, respeito, igualdade e reconhecimento. Mas, por outro lado, essas mesmas virtudes não contribuíram com a solução imediata desses mesmos problemas.

É certo que, embora a moral imprima um caráter peculiar à regulamentação das relações humanas, não se confirma, em nossos tempos, a tese segundo a qual sem religião teríamos o fim da vida moral. Se no passado Deus era o fundamento e a garantia da vida moral, hoje são cada vez mais numerosos os que procuram no próprio homem o seu fundamento e sua garantia.



Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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