Cartaz do filme |
por Breno Lucano
Muitos filmes de horror são bons apenas para dar bons sustos entre uma machadada e outra. Alguns são bem ruins nesse quesito, concordo. Contudo, há um bem inteligente que possui reflexões filosóficas que valem à pena. Trata-se de Por Trás da Máscara: O Surgimento de Leslie Vernon. Lançado em 2006 e estrelado pelo pouco conhecido Nathan Baesel com participação especial de Robert Englund, ator consagrado com mais de sessenta filmes no currículo, sendo Hora do Pesadelo o mais famoso.
Nesse filme os serial killers Freddy Krueger, Jason Voorhees e Michael Myers não são personagens. Tratam-se de assassinos reais, consagrados pela criminologia, ídolos que inspiram outros assassinos, entre os quais Leslie Vernon. O filme se passe sob a perspectiva do psicopata, seus planos, sua articulação, elabora seu modus operandi e reflete sobre o que vai acontecer quando ele atacar a vítma. Isso é uma inovação no cinema do horror em que a vítma é o núcleo dramatúrgico e o assassino apenas aparece, mata e vai embora. Pouco se sabe sobre ele. Aqui é diferente. Uma jornalista conhece Leslie e passa a conviver com ele, aprendendo sobre a personalidade, suas perspectivas, sua visão de mundo e como pretende operar no último momento.
Leslie, que deveria ser o anti-herói, passa a ser o verdadeiro herói do filme. Sua personalidade cativante, perspicaz e eloquente - e, porque não, envolvente! - cativa a jornalista Taylor Gentry, que, no fundo não acredita que ele fará todas aquelas atrocidades. Mas algo muda com o aparecimento do psiquiatra Dr. Halloran (Robert Englund), que a encontra e conta sobre as passagens por clínicas psiquiátricas de Leslie. Mas investigações prosseguem e Leslie mostra a Taylor como será o dia do assassinato do grupo de jovens que que vão parar numa fazenda da pequena cidade de Glen Eco. Ele prevê que os jovens, amedrontados, vão correr para ali, fazer aquilo ou pensar naquilo outro. Todos os passos são planejados, de modo que nada saia do controle de Leslie. A matança seria meticulosamente planejada.
Leslie vibra quando, com Eugene, seu mestre e assassino famoso em outros tempos - hoje foragido - descobre que sua vítima se tornou uma espécie de personificação da virgem. Ele refere uma cosmologia nitidamente polarizada: de um lado o mal absoluto; de outro, o bem absoluto. Desse mal absoluto que tangencia o mundo nascem Freddy Krueger ou Michael Myers, que nada mais são do que uma expressão do próprio mundo, uma forma específica do Ser de se mostrar e ser apreciado. Essa forma de mal é muito semelhante com a noção de mal de santo Agostinho como ausência de Deus, como decadência em Deus e queda no pecado. Freddy, Micahel e Leslie não existem por um desvio de caráter ou algum desequilíbrio no desenvolvimento do indivíduo. O mal é real e é originário do próprio mundo, de sua própria constituição. Como uma sombra do pecado.
O bem absoluto é referido no último diálogo entre Leslie e Taylor. O diálogo se dá da seguinte maneira:
Leslie: Tudo se dará nesta noite. Depois dela, estarei escondido ou preso, ou morto. Então o fato é que não nos veremos mais depois desta noite... Devemos nos despedir agora. Então, amigos, foi um prazer.
Taylor: Leslie, você optou dar vida à uma história de fantasma fabricada. Você se obrigou a um destino que não precisa cumprir.
Leslie: Isso não tem nada haver com a minha origem ou com o que aconteceu. Eu acabaria aqui de qualquer forma. Eu fiz uma opção. Eu fiz. Fornecer o contrapeso para tudo que consideramos bom. E puro. Você escolheu jornalismo, né? Nós nascemos para isso.
Taylor: Adeus, Leslie.
Alguns diálogos anteriores narram sobre o mito da virgem, que, de modo similar no campo da religião, também é encontrado. A Igreja celebra a memória das virgens, mulheres santas que morreram em estado de graça, como Nossa Senhora. A virgem é a representatividade dessa beleza do mundo, do puro, de um mundo que não encontrou o pecado e, por isso, não se tornou decaído. A virgem está em Deus, é de Deus. Do outro lado, está Leslie, o mal que pretende destruir a virgem e, em suas palavras, oferecer o contrapeso de tudo o que é bom e puro".
O mal e o bem moral não existem apenas como exercício filosófico e reflexivo da ética, mas como condição sui generis do mundo. Como eterna guerra dos opostos, cada qual querendo a todo instante suprimir o outro e, de algum modo, gerar um equilíbrio no mundo. Um Yin e Yang perene que muito faz lembrar o dualismo maniqueísta de santo Agostinho. Taylor se torna a virgem e Leslie o contrapeso da balança, não por escolha própria, mas pelo próprio influxo das coisas. Por um determinismo implacável. Leslie é Leslie porque assim é sua estrutura, a vontado do mundo. Do mesmo modo Taylor se torna virgem por que assim o quis o mundo. E, em meio a essa discussão, surge a figura do pomar de maçãs, que representam o útero, o nascer do mal para o bem, um novo batismo, um lugar onde se dá lugar para o renascimento e a regeneração.
Para quem não conhece, não perca seu tempo. Assista o quanto antes.
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