Justiça em La Mettrie

Por Breno Lucano

Dentre as questões que envolvem La Mettrie, uma chama chama especial atenção: as relações entre determinismo e moral. Se os acontecimentos são geridos por genuína articulação da matéria, de tal modo que o que ocorre no homem é fruto do modo como o corpo se conforma - bem ao modo como vemos no século XXI -, e se ninguém é responsável pelo Bem e pelo Mal, então como devemos agir?

Respondendo essa questão, La Mettrie se coloca além do Bem e do Mal, não se rebelando em nome da moral moralizadora, já que recusa o juízo de valor, indo em direção a um gênero de piedade pós-cristã. Um delinquente não é um carrasco e sim uma vítima. Tal como um ser vítima de homicídio, o matador não é responsável ou culpado: são somente movimentos da natureza, determinações da matéria.



Que sentido haveria em odiar, torturar, brutalizar e maltratar o autor de um crime. Os viciosos não escolhem seu vício. Antes, devem ser lamentados que tenham dessa forma servido à natureza. Assim, os criminosos não devem ser punidos? A resposta é não. A punição se faz necessária, mas as penas devem ser reduzidas, empregando uma justiça que distribua os suplícios moderadamente e a contragosto. Para La Mettrie punir o mau assim como recompensar o virtuoso confina com o ridícula. Por outro lado, se o crime for capaz de ser prevenido, então a pena se torna legítima. Mas somente neste caso.

Para evitar a reincidência provável, a sociedade pode até se proteger e se defender, conforme relata o filósofo: "Detesto tudo o que prejudica a sociedade". A pena de morte, se justifica nesses casos. Pelo bem público, as forcas devem ser defendidas

A ternura lamettriana, portanto, tem limites sociais e políticos. Ao menos nesses termos, ele pensa a delinquência com os olhos metafísicos e não como materialista. Essa visão desagradará outros materialistas, como Helvétius e Holbach, que advogam por uma mudança na sociedade. Se a Bastilha é uma horrível inquisição por que não incitar a destruí-la?


Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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