Divaldo Franco e Filosofia

Guilherme Lobo e Divaldo Franco
por Breno Lucano

Um bom filme que entrou em cartaz atualmente é Divaldo, Mensageiro da Paz. Trata-se da cine-biografia de Divaldo Pereira Franco, famoso médium do meio espírita, com várias dezenas de livros publicados e vasta obra social na Bahia. Interpretado por Bruno Garcia e Guilherme Lobo em diferentes fases da vida de Divaldo.

Como disse, bom filme. Mas que merece reflexões.

Permeado com pensamentos espíritas, embora não tão clichê em termos de propagação de uma pretendida fé que muito mais parece católica que espírita, como ocorre no filme de Chico Xavier. Mostra um Divaldo esquizofrênico, não sabendo diferenciar realidade (o mundo material) do místico-religioso (o mundo dos espíritos). Ocupa-se dos espíritos da mesma forma que com os vivos, como se todos estivessem envoltos com o mesmo nível de realidade.



Vale ressaltar que uso o termo esquizofrênico, mas não no sentido psicopatológico. A cisão entre mundos é expressamente aparente no filme, que volta e meia se aproximam e se distanciam.

Divaldo se pergunta porque ele tem que fazer o que ele faz. A assistência social pode ser importante, o cuidado com os necessitados se torna um imperativo. Mas qual o imperativo desse imperativo. Em outras palavras: por que ele deveria ser o escolhido para ter esse tipo de vida, apartado de todos, sem família, sozinho. Todos apenas o procuravam para tomar passes, receber conselhos, mas o que ele mais precisava era de resolver seus próprios dilemas. Ele era bom para aconselhar, mas necessitava de conselhos. Necessitada de afago, de afeto.

No livro Última Tentação de Cristo, de Nikos Kazantzákis, há importante ponderação. Em todos os filmes e espetáculos que retratam Jesus temos a figura de um homem que abertamente se renega por tudo, por amor à humanidade, e se entrega à própria morte pela salvação de todos. A ele não é permitido se casar, ter filhos, e ter uma vida ordinária de hebreu do século I. Ele não poderia escolher entre ser ou não o messias, o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Kazantzákis faz uma inversão dessa narrativa. Ele olha para o futuro, observa o que ele teria que renunciar e entende ser mais atrativo uma vida normal. E então, livremente o messias renuncia a ser messias. Claro, Kazantzákis é excomungado pela igreja ortodoxa grega.

Mas Joanna de Ângelis alerta: não estava na programação de Divaldo essa vida. Em outras palavras, ele poderia escolher entre ser um messias espírita ou não ser, contanto que entendesse as consequências disso. O espiritismo abre opção de escolha: o famoso livre-arbítrio. Mas talvez não tão livre assim.

Podemos escolher entre A e B, entre fazer ou não fazer. Mas colocar a consequência como condição necessária à escolha equivale a dizer que não há escolha possível. A única via é A. Ou B. E é a única via porque é a correta, a melhor, a querida por Deus. E ninguém quer se afastar de Deus. O consequencialismo se torna uma punição implícita na Doutrina dos Espíritos.

Tudo é permitido, mas nem tudo me convém é um termo da moral popular que perpassa o mundo cristão e atinge os espíritas. Posso fazer o que quiser. Mas posso escolher com precisão o que quero? Em outras palavras: o que quero é correto? Essa concepção psicológica é presente em santo Agostinho, quando cria essa alma esquizofrênica, uma alma dividida em dois, uma alma que deseja mas que não deveria desejar e que não deseja o que deveria desejar.

No caso espírita e no caso cristão a mesma indagação: podemos escolher entre ser ou não em ser um Chico Xavier ou Divaldo franco, mas não escolher significa fraqueza, uma alma ainda em evolução e, portanto, fadada ao fracasso. Podemos escolher entre ser um são Francisco ou um Dom Bosco ou não ser, mas escolher não ser significa ser um pecador, apartado de Deus, arremessado ao inferno, um lugar sombrio e sofredor para toda a eternidade.

Se as condições de escolha são essas, qual a virtude da escolha? Se a escolha é condicionada pelo medo da opção errada, então a vida eficaz e a beatitude em Deus são apenas medo. Nada mais. Medo do inferno, medo de ser um espírito ainda em evolução.

Isso nos faz recordar de Pascal. Não temos como ter certeza da existência de Deus e o que nos reserva. Por que essa seria, em tese, a única coisa que nos direcionasse a uma vida virtuosa. A vida, então, é uma questão também de aposta.

A aposta não parece ser a questão central em Divaldo. Joanna de Ângelis diz que não está programado. Não há alternativa. Ou melhor: há, contanto que se assuma as consequências.

Ao que parece, ser um santo cristão possui o mesmo estatuto que ser um santo espírita. A santidade não é questão de escolha, embora a escolha apareça colateralmente

Apesar desses dilemas, que são na verdade dilemas espíritas, é um filme que deve ser visto. Ao menos para reflexões.

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