Resenha de Tratado de Ateologia

por Breno Lucano

Tratado de Ateologia é um daqueles livros que poderia ter sido escrito muito bem por Richard Dawkins ou algum adolescente hormonal de internet que acabou de descobrir o ateísmo e se rebela. Mas, não. O livro de Michel Onfray é mais do que isso. Ele cruza as fronteiras, cava fundo e atinge o cerne de sua filosofia: o mundo ainda marcado pelo idealismo.

Onfray dá início ao livro com uma crítica a Nietzsche. Aliás, uma das poucas em toda sua monumental obra. Como todos sabem, Nietzsche é conhecido por aquela famosa frase do Deus morto, que se tornou emblema pop. Onfray diz que não, Deus ainda está bem vivo e perambula pela organização da sociedade. Apesar do Estado laico, Deus ainda determina padrões morais, o que se deve ou não pensar e fazer e até mesmo uma cruz é encontrada nos tribunais. As noções de certo e errado são determinadas, em última instância, pela religião.



O Tratado de Ateologia desenvolve uma idéia que tangencia Focault: o controle dos corpos. E, dentre os corpos, o da mulher em maior escala. Estando Deus ainda habitando as mentalidades, o que se vê é uma gradual - e às vezes explícita! - tentativa de subjugar o corpo em detrimento de uma espiritualidade. Onfray demonstra o corpo que sofre com os jejuns, que não tolera as abstinência dos prazeres e que é atingido com a pretensão da purificação de um corpo que é naturalmente sujo. Não por acaso, Onfray é lido algumas vezes como o sucessor de Focault.

O Tratado cita o que ele chama de rosário das proibições. Deus não se contentou em apenas proibir comer o fruto proibido e, a partir desse dia, tudo é proibido. As religiões apenas vivem com a seguinte fórmula: fazer e não fazer, dizer e não dizer, pensar e não pensar, agir e não agir. É necessário a proibição para que a submissão à Deus seja testada.

Por outro lado, altera a sentença de Dostoiévski segundo o qual "se Deus não existisse, tudo seria permitido". Se com Deus, tudo é que seria permitido, como o os autos de fé, os apedrejamentos, a Ku Klux Klan, a perseguição a minorias religiosas, o nazismo. Como diz brilhantemente Lex Luthor no filme Batman Vs Superman: "Deus toma partidos".

Tratado de Ateologia faz uma exegese nos Evangelhos e compara a figura mítica de Jesus com a de Apolônio de Tiana, homens imaginários com intensa carga de significação. Em outro momento, compara Platão a Jesus quando afirma que ambos acreditavam numa vida após a morte e na existência de uma alma imaterial que seja capaz de sobreviver ao corpo. E que, bem antes, já existia a figura de Pitágoras, com as mesmas idéias.

Michel Onfray cria um são Paulo histérico e abnegado na função de dilapidar o corpo. Daí o elogio ao celibato, à castidade, à abstinência. Impregnado de uma visão psicanalítica, Onfray afirma que Paulo odiava as mulheres como sendo aquelas capazes de levar os homens à perdição. A impotência sexual se transfigura em potência sobre o mundo, a incapacidade de ter acesso às mulheres se torna instrumento de ódio às mulheres, o desprezo de si mesmo transformado em amor aos seus carrascos. Jesus ganha consistência apenas se se tornar refém de Paulo.

O livro termina com a recepção de Deus na política. Cita os diversos momentos da história da humanidade em que destruições foram legitimadas em nome de Deus, desde as Cruzadas, até a polêmica relação do Vaticano com o Hitler, não faltando ainda críticas aos Estados totalitários árabes.

O que temos aqui é um livro que traz uma narrativa. Não deve ser lido como uma visão absoluta de um ateísmo militante, mesmo que Michel Onfray se vincule ao arquipélago dos ateus. Mas, mesmo assim, bem diverso de Richard Dawkins, que não traz a abordagem filosófica necessária para trabalhar com o objeto de estudo Deus.

Absolutamente não é um livro par adolescente ateu de internet, a não ser que tenha algum conhecimento filosófico prévio e que entenda que os pressupostos de Michel Onfray são, acima de tudo, uma crítica à história da filosofia.

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