Direitos Humanos e a PL 122

por Breno Lucano

No Brasil não há preconceito contra gays. Os gays são uma classe social que querem direitos para eles próprios, independente da maioria da população. Da mesma forma, também não há preconceito contra negros, não há preconceito contra mulheres, índios ou deficientes físicos. Todos são igualmente cidadãos brasileiros e, portanto, portadores dos mesmos direitos e deveres. Muitos ainda pensam ingenuamente!

Todo processo social de autonomia de um segmento induz necessariamente a uma contra-força que o impele a não ser autônomo. Quanto mais se lutou para se sancionar a legislação específica do divórcio - proibida no Brasil até 1977 -, mais vozes pró-família foram ouvidas. "Temos que defender os direitos da família brasileira", "o casamento é um sacramento, indissolúvel, portanto", foram alguns argumentos na época. O que foi um dia criminalizado é entendido como trivial noutro, algo corriqueiro. 



Quando os negros foram libertos da escravidão, logo pensaram: "é um absurdo!". Décadas mais tarde, quando foi sancionada a legislação contra crime racial, disseram: "É um absurdo! E onde ficam os direitos dos brancos? Se um negro me chama de branco ele também será preso? Estamos criando uma ditadura negra no país!". Isso também ocorreu com os direitos das mulheres, a famosa Lei Maria da Penha. Disseram: "É um absurdo. Estão protegendo as mulheres em detrimento dos homens. É um crime contra a família brasileira. Deus colocou o homem no centro da família." E todos esses argumentos davam justificativa moral para que as violências físicas e psíquicas prosseguissem. Hoje não se questiona mais a existência da lei racial e mesmo da Lei Maria da Penha.

O mesmo ocorre com os gays. Falam em desconstrução do conceito de família da mesma forma que falaram na época da criminalização da violência contra a mulher. Deus ainda é excessivamente poderoso, exercendo tamanha influência na forma de se pensar e se comportar que os direitos humanos ficam sempre em segundo plano. Daí minha antiga tese de que deus é sempre o fundamento da salvação, apesar do homem.

A discussão da ex-desembargadora no Programa do Jô se tornou fundamental para a reflexão de alguns pontos. Os direitos e conquistas homoafetivas se configuram como ascensão de um segmento social historicamente marginal, assim como os negros e o das mulheres. São amplamente discutidas em fóruns, mencionadas na Anistia Internacional, grupos internacionais de direitos humanos. Mas como todo movimento de conquista induz a um movimento de propagação da alienação, no Brasil a Comissão de Direitos Humanos curiosamente é presidida por um homofóbico, racista, sexista.

Jô não se mostra contrário à legislação de crime por orientação sexual e de gênero. Ele induz a uma reflexão. Não afirma "sou contra"; pergunta "e se?".  Ora, a equiparação da PL 122 ao crime racial não é apenas apropriada, mas fundamental. Não teremos um crime em se elaborar teorias ou de se pensar sobre o fato homossexual, mas tão somente em se injuriar. Basta uma pergunta: podemos injuriar um negro? Podemos demitir um negro, não em função de seu desempenho profissional, mas unicamente pelo fato de ser negro? Não. Pena, detenção. Da mesma forma que com o fato gay. Pode-se não gostar, pode-se até criticar no domínio privado, mas nunca no ambiente público. Poder-se-ia demitir um gay por vários motivos, mas nunca pelo único fato de ser gay. E o limite para ambos os casos persiste na prova. Deve-se provar que o negro foi demitido por ser negro e o gay por ser gay. O simples injuriar não leva à detenção. É preciso todo um longo processo judicial, coleta de provas, testemunhas, ...

É curioso observar as respostas do vídeo do Jô, das quais reproduzo algumas:

"como pode um país pensar em isolar com uma lei específica um pequeno grupo... em vez de se preocupar com nossos doentes.. crianças... pessoas que realmente não possuem recursos... ao invés de gastar dinheiro patrocinando a merda da parada gay.... que país mais entranho"



"O conceito de família mudou " Que frase mais imbecil. Seria mais inteligente dizer que estão querendo mudar o conceito de família. Seria mais inteligente."



"tem que fazer uma lei pra esses viados virarem homem, isto que deve ser feito, não tiveram pais pra instruírem a virar homem, quem sabe a lei faz."

Pelos comentários verificamos a reposta de segmentos contra-direitos humanos. Não temos de modo algum preocupação com direitos humanos, com o bem-estar do cidadão, em si, por ele mesmo, mas apenas se ele preencher alguns requisitos básicos, entre os quais, ser heterossexual. É necessário se relacionar afetivamente com o outro gênero para que se possa pensar em dignidade, para que se possa ser aceito na família, respeitado no trabalho, elogiado por amigos, agraciado pelo que pensa. Basta ser gay para todo o prédio se desmorone. Mas também poderia ser negro, índio ou mulher.

A sociedade historicamente constituída é móvel. Os conceitos jurídicos, morais, religiosos, econômicos são mutáveis porque dependentes de homens que lhe dêem consistência. E, desde que os próprios homens mudam suas opiniões, os conceitos são também móveis. O mundo é fundamentalmente dialético, construído por fronteiras sempre reconstruídas. Apenas o Reino é imutável porque não depende do homem.

Termino com a famosa frase de Mary Griffith: cuidado com o que diz, uma criança pode estar ouvindo. E pode ser seu filho...






Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

Um comentário :

  1. Um rápido olhar na história nos mostra que pautarmos nossos conceitos e atitudes deles decorrentes em princípios morais (sempre temporais) é uma imensa estupidez, é a negação do humano. No entanto, para a grande maioria, é vital a insistência nesse alicerce moral, em função de sua impotência para mudar, reconstruir-se, descobrir o verdadeiro humano despojado de futilidades vaidosas que em todos nós existe. Como sempre, ego e vaidade matando o humano que em nós habita.

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