A Arte de Ter Prazer, de Michel Onfray: O Hedonismo como Filosofia de Vida


Michel Onfray, filósofo contemporâneo e crítico ferrenho da tradição ascética ocidental, apresenta em A Arte de Ter Prazer uma proposta de reabilitação do hedonismo filosófico. Em um mundo ainda marcado por valores religiosos e moralismos, Onfray busca restabelecer uma ética voltada ao corpo e aos prazeres sensíveis, tomando como base a filosofia epicurista e libertina. Este artigo explora as principais teses do autor, contextualizando suas ideias dentro do debate filosófico sobre o prazer e a moralidade.

Desde os primórdios da filosofia ocidental, o prazer foi alvo de intensos debates. Platão e Aristóteles viam-no com cautela, enquanto os estoicos e o cristianismo o associavam à corrupção da alma. Contra essa tradição repressora, Michel Onfray resgata o pensamento de Epicuro, para quem a busca pelo prazer era o fundamento de uma vida feliz. No entanto, Onfray não propõe um hedonismo desenfreado, mas uma ética do prazer baseada na inteligência e na moderação: “Nada é suficiente para quem considera pouco o suficiente.”


Onfray também dialoga com os libertinos franceses, como Sade e La Mettrie, cujas reflexões sobre o corpo e o desejo são centrais em sua filosofia. O filósofo argumenta que a repressão dos prazeres foi historicamente usada como ferramenta de controle social, especialmente pelas religiões monoteístas. Como afirma no livro: “A culpa e a punição sempre foram instrumentos eficazes para manter os homens sob domínio.”

No campo da ética, Onfray rejeita a moral kantiana e sua ideia de dever universal, propondo em seu lugar uma moral sensualista e personalizada. Para ele, cada indivíduo deve construir sua própria ética baseada na experiência e no conhecimento do próprio corpo. Essa perspectiva aproxima-se da ideia de Nietzsche sobre a transvaloração dos valores, na qual os antigos ideais morais devem ser superados para dar lugar a novas formas de existência.

A relação entre prazer e tempo é outro aspecto fundamental da obra. Onfray critica a noção cristã de que o sofrimento presente é necessário para uma recompensa futura, propondo que a felicidade deve ser vivida no presente. “A vida não pode ser um adiantamento para outra vida; ela se basta a si mesma.” Essa visão coloca sua filosofia em oposição às doutrinas que prometem salvação e transcendência, reafirmando o materialismo como fundamento do pensamento hedonista.

O filósofo também explora a dimensão política do prazer. Ele argumenta que a sociedade capitalista sequestrou o desejo, transformando-o em consumo. Em vez de um prazer autêntico e vivido plenamente, os indivíduos são levados a buscar satisfação em bens de consumo. Esse pensamento ressoa com a crítica da Escola de Frankfurt à indústria cultural e ao consumo alienante.

Em diálogo com Freud, Onfray questiona a relação entre desejo e repressão. Enquanto a psicanálise sustenta que a civilização exige certo grau de repressão dos instintos, o filósofo francês propõe uma cultura que não se baseie na negação do corpo, mas em sua afirmação plena. “A carne não é uma prisão, mas um meio de experimentar o mundo.” Essa visão ecoa a concepção de Spinoza sobre o corpo como expressão da potência vital.

A Arte de Ter Prazer não é apenas um tratado filosófico, mas um manifesto em favor de uma vida mais livre e autêntica. Onfray convoca seus leitores a repensar suas relações com o próprio corpo, com os outros e com o mundo. Contra o ideal ascético, ele defende um materialismo jubilatório, uma celebração da vida em sua concretude e sensualidade.

Contudo, sua proposta também encontra críticas. Alguns pensadores argumentam que sua visão do prazer é excessivamente individualista, negligenciando as dimensões sociais e políticas do desejo. Além disso, há quem veja em sua rejeição à transcendência uma limitação filosófica, já que a busca por sentido muitas vezes ultrapassa a materialidade pura do corpo.

Onfray enfatiza a importância da educação sensorial e do aprendizado do prazer. Para ele, o conhecimento do corpo e de suas potencialidades deve ser incentivado desde a infância, afastando os tabus que cercam a sexualidade e o desejo. “A ignorância do corpo é a maior tragédia das civilizações repressoras.” Essa pedagogia do prazer, segundo o filósofo, permitiria indivíduos mais realizados e sociedades mais saudáveis.

Outro ponto essencial da obra é a crítica à ideia de sacrifício como valor moral. Para Onfray, a renúncia ao prazer em nome de ideais abstratos apenas reforça estruturas de poder e opressão. Assim, ele defende um hedonismo que não se limita ao prazer imediato, mas que busca um bem-estar duradouro e consciente.

A Arte de Ter Prazer também examina a relação entre o prazer e a arte. Onfray vê na criação artística um dos meios mais sublimes de experimentar o deleite sensorial e intelectual. A estética, para ele, não pode ser separada da ética, pois ambas dizem respeito à forma como experimentamos e valorizamos a vida.

Por fim, a obra se encerra com um convite à experimentação. Onfray não deseja impor dogmas, mas abrir caminhos para uma existência mais plena. “Cada um deve ser o arquiteto de sua própria felicidade.” Esse chamado à autonomia e à inteligência dos prazeres faz de A Arte de Ter Prazer uma leitura fundamental para aqueles que buscam uma filosofia da liberdade e da alegria.

Ao abordar o prazer como uma questão filosófica central, Michel Onfray desafia as concepções tradicionais que o associam à degradação moral ou à ilusão efêmera. Sua obra resgata a importância da materialidade da existência e do bem-estar individual como objetivos legítimos da vida. Embora sua abordagem possa ser vista como radical por alguns, ela oferece uma alternativa provocadora ao ascetismo predominante na cultura ocidental.

A leitura de A Arte de Ter Prazer convida à reflexão sobre os limites da moral tradicional e a necessidade de uma ética que valorize o corpo e a experiência sensorial. Nesse sentido, o pensamento de Onfray ressoa com correntes contemporâneas que buscam conciliar prazer e responsabilidade, promovendo um bem viver baseado na autonomia e no conhecimento de si.

Ao reinterpretar o hedonismo à luz da filosofia contemporânea, Onfray nos desafia a repensar nossas concepções sobre o prazer e sua relação com a ética. Em uma sociedade marcada por contradições entre desejo e repressão, sua obra se apresenta como um chamado à libertação dos corpos e das mentes. Dessa forma, A Arte de Ter Prazer permanece uma contribuição relevante para o debate filosófico e para aqueles que buscam uma vida mais plena e autêntica.

Terapeuta holístico, acupunturista e massoterapeuta especializado em práticas integrativas.Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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