Diógenes |
por Breno Lucano
A tradição possui muito a falar na filosofia, principalmente quando o assunto tratado é a antiguidade. É o que ocorre com o cinismo. Segundo os relatos doxográficos, o objetivo de Diógenes era demonstrar pelo seu próprio exemplo a superioridade da natureza em relação ao costume. Dessa forma ele passou toda a sua vida tentando questionando os valores falsos da cultura dominante: a terminologia correta em termos de Diógenes é desfiguração, recordando a recomendação que o oráculo de Apolo deu ao filósofo em Delfos. Em todas as áreas da atividade humana, essa desfiguração levou os cínicos a adotar posições escandalosas.
Tornando um exemplo da política: os cínicos apareceram numa época em que, embora a pólis tradicional estivesse começando a ser abalada em suas funções pelas conquistas do jovem Alexandre, muitos ainda não estavam prontos para abandonar seus papéis tradicionais na vida civil e política. E, no entanto, Diógenes pregava o cosmopolitismo, declarando-se "sem cidade" (a-polis), "sem causa" (a-oikos) e "cidadão do universo" (kosmopolites). Diógenes insistia em todos seus relatos para que as pessoas se abstivessem de todo engajamento político que, como obrigações familiares e sociais, pudessem constituir um obstáculo à liberdade individual.
A "desfiguração" cínica era igualmente radical em questões religiosas. Em primeiro luga, eles vieram a hierarquia tradicional dos seres de cabeça para baixo: a série animal-homem-deus foi transformada em homem-animal-deus. Para o homem, como um ser de desejo e angústia, animal e deus constituíam, respectivamente, o modelo concreto e o teórico da auto-suficiência e da indiferença e, consequência, da felicidade. Isso não significa, porém, que os cínicos fossem pios.
Os cínicos não tinham nenhum interesse por questões religiosas e consideravam que deus fosse um mero ponto de referência teórico. Em geral, pode-se dizer que a sua atitude em relação à religião era cética ou agnóstica: a transcendência para eles não era algo que devesse se entreter. Embora o homem estivesse constrangido a se dobrar aos caprichos da Fortuna, recusavam-se a viver em medo constante dos deuses e dos castigos do Hades. Esta, além do mais, era a razão de invejarem os animais, que eles consideravam felizes por não terem nenhuma idéia de um deus que pode recompensar e punir. Tais pontos de vista, combinados a críticas contundentes do antropomorfismo, dos Mistérios, da oração, da interpretação dos sonhos, das purificações rituais e de outras instituições religiosas, iam diretamente contra a ideologia religiosa tradicional.
Diógenes também "desfigurava" a filosofia, não só por crítica a filósofos contemporâneos como Platão, Euclides ou Aristipo e por sua rejeição a todos os sistemas, preferindo demonstrar suas crenças por meio de suas ações. Assim como Sócrates já insistira, a filosofia não deveria mais ser reservada a uma elite social ou intelectual; todos poderiam filosofar. Desse modo, não é surpreendente que, no Império Romano, o cinismo tenha se tornado a filosofia popular da Antiguidade: pela primeira vez o filósofo se torna um homem do povo, das ruas.
Armado com a metáfora da "desfiguração" que ele próprio havia escolhido, Diógenes estava preparando para todo ato de "despudor" e aceitava o seu papel como o daquele que escandalizara a sociedade.
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