Erros de Leitura dos Estóicos



por Breno Lucano

Talvez um dos erros mais comuns quando tentamos ler um texto antigo, como Platão ou Sêneca, consiste em projetar para o texto o olhar do leitor. Isso é particularmente comum quando temos em mãos um texto religioso. 

Textos variados da bíblia podem parecer estranhos sem a devida contextualização. Rapidamente, o crente é levado a crer que o mar se abriu, que alguém ressuscitou dos mortos ou andou sobre as águas, entre tantas coisas fantásticas. Mas o problema se torna particularmente grave quando se trata das anotações morais, como em Levítico. O código de Hamurabi parece atual; mas mas porque o dente-por-dente pode ser atual e o dar um dote para se casar com a mulher, não?

Sempre a mesma questão: a interpretação. Excluindo-se a questão do fundamentalismo - o que já é um problema em si -, o hermeneuta deve levar em consideração sempre as condições sociais, políticas, culturais, linguísticas, religiosos de um povo. Na incapacidade de conhecer esses fatores, o mais comum é que levemos o olhar do leitor para o mundo da literatura, onde os personagens vivessem em nosso mundo, mesmo que com séculos de distância. 

Vemos isso em telenovelas, como em O Cravo e a Rosa e Sinhá Moça. Um olhar mais detalhado no roteiro encontramos os erros. Palavras, expressões, costumes de nossa época são facilmente transportados para aqueles personagens e é quase possível ver Chica da Silva, por exemplo, falando coisas como "beleza", "já é" ou "maneiro". Nessas mesmas novelas vemos as mulheres usando vestidões, o que não está errado, mas não decotados!

As ideias bíblicas fantasiosas equivalem a ler Homero e crer num mundo igualmente mágico, repleto de deuses e criaturas, harpias e ciclopes. Ao hermeneuta falta experiência. 

O mesmo ocorre com os textos filosóficos, como em Platão. É o mesmo que crer que, ao morrer, nossa alma se transportará ao Hades, como no mito de Er. A palavra de Platão concede credibilidade, ele disse, então é que funciona! Sêneca diz que os homens são iguais, então os homens são iguais. Mas qual a crítica que se faz a Platão ou a Sêneca? Qual era a sociedade em que viveram? O olhar desses dois aristocratas - um grego e outro romano - totalizam a visão de toda uma população à respeito de sua sociedade?

Sêneca narra uma sociedade onde as pessoas são iguais e nisso ele não se distancia de Zenão. Mas isso exclui as desigualdades e os processos historicamente constituídos que promoveram a exclusão já naquela época? Qual a expectativa de vida em Roma de um camponês? Era igual a de um Sêneca ou Júnio Rústico? Certamente, não. 

O olhar simplificado do leitor, especialmente os ingênuos ou incultos, interpretará que as pessoas são iguais porque Sêneca falou que era. Mas não considera que outros estoicos entendiam que não, mesmo que indiretamente. Basta lembrar de Marco Aurélio que, segundo História Augusta, vendeu seus bens - muitos dos quais herdados de Antonino e Adriano - para com a soma arrecadada ir à guerra sem precisar onerar os súditos. 

Isso é mais do que uma mera preocupação pela salvação das almas ou pelo desenvolvimento teórico do que é a felicidade ou mesmo sobre as questões metafísicas. Isso é estoicismo prático, uma genuína preocupação do filósofo com as condições de vida da população. 










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