Sócrates, Estóicos e Demais Desviantes

por Breno Lucano

Será o estoicismo uma filosofia pacifista?

Ao analisarmos essa questão devemos perceber dois aspectos fundamentais para a perfeita compreensão da Stoa. Num primeiro momento, enquanto uma das variadas filosofias da antiguidade, sim, possuía um caráter pacifista, tendo em vista seu têlos bem definido: a felicidade. Claro, a felicidade não foi a finalidade apenas do estoicismo, devemos recordar Platão, Aristóteles e todas as escolas helenísticas, desde Pirro a Antístenes, cada qual cruzando caminhos próprios. Assim, temos o hedoné de Epicuro, a áskesis cínica, a epoké cética ou a adiáphora estoica: vários caminhos, um único objetivo.

Entretanto, assim como os cínicos, devemos nos perguntar: será o estoicismo restrito a um conjunto de máximas? Ou ele igualmente deve ser entendido com uma produção social das elites, especialmente romanas, de modo que ela se acopla perfeitamente na formação de um status quo? Em outras palavras, para além de um simples aconselhamento moral, o estoicismo também pode ser entendido como um entendimento próprio das elites, uma maneira específica de organizar a sociedade amparado num conjunto de valores que facilmente são incorporados pela Stoá? Veremos que aí a pergunta inicial toma outro rumo.

O cosmopolitismo estoico, e sua correlata idéia de igualdade entre os sujeitos, toma um caráter político específico e prático. Ele sai do campo da ontologia e toma corpo nas lutas sociais. 

Não devemos esquecer de Catão de Útica, Helvídio Prisco e Trásea Peto. Aconselhadores morais? Talvez. Agitadores sociais? Seguramente. Goulet-Cazé afirma que a forma de sucessão hereditária adotada nas primeiras dinastias romanas era contestada pelos estoicos e cínicos, e esse era o motivo das revoltas. Seja lá qual for o motivo, se colocam como herdeiros diretos de Sócrates, outro agitador social morto pelo Estado. E vale frisar: os valores do Estado são os valores das elites. 

Mas Nero e Domiciano estão mortos. Os déspotas de hoje são outros. Recordemos os números de mortos pela COVID:

"1.000 mortos - "gripezinha"

5.000 - "histeria"

10.000 - "não sou coveiro"

20.000 - "e daí?”

30.000 - "todo mundo morre um dia"

35.000 - "vamos parar de divulgar números"

40.000 - "invadam hospitais e filmem leitos vazios"

50.000 - “hidroxicloroquina salva”

100.000 - “vamos tocar a vida”

115.000 - “bundão tem mais chance de morrer”

122.000 - "Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina"

135.000 - "Conversinha mole de ficar em casa é para os fracos"

154.000 - "...a vacinação contra o novo coronavírus não será obrigatória"

156.000 - Vacina chinesa não transmite segurança "pela sua origem"

162.000 - 'País de maricas'

170.000 - 7 milhões de testes “esquecidos”

172.000 - “Pergunta pro Vírus”

175.000 - Porquê da pressa pela vacina da Covid-19

179.000 - “Finalzinho da Pandemia”

180.000 - Confisco da vacina

182.000 - “Vacinação obrigatória é antirrábica”

183.000 -  "Para que essa ansiedade, angústia?"

191.000 - "Não dou bola para isso"

197.000 -  “Mergulhei de máscara também, para não pegar Covid nos peixinhos”

198.000 - “o Brasil está quebrado ! Não consigo fazer nada!”

200.000 - “ Lamento as 200 mil mortes, mas a vida continua.” 

209.000 - "Não tem oxigênio, eu não posso fazer nada"

211.000 - “Apesar da vacina, ...”

Os estoicos, caso ainda existissem, ficariam sentados em seu escritório com um leptop, certos de que as paixões não o macularam? Dariam aula numa universidade e dormiriam tranquilo porque encontraram a ataraxía? Escreveriam um livro acadêmico sobre os incorpóreos? Ou, à imagem de Trasea Peto, se insurgiriam contra Bolsonaro?

O estoicismo produz a paz interior. Mas isso não significa que produzam corpos dóceis. O estoico é aquele que produz a tranquilidade, mas também a revolta.