Pode parecer estranho à primeira vista, mas, durante a Antiguidade, muitas crítica foram direcionadas aos cínicos quanto ao seu status de filosofia. Apesar dessas críticas, os próprios cínicos, desde o início, sempre se apresentaram como filósofos de fato.
A acusação tinha sua justificativa. Não possuíam nenhuma escola em sentido institucional do termo, como a Academia de Platão, e não hesitavam e fazer críticas às outras filosofias da época. Além disso, sua "desfiguração da moeda" criava dificuldades nas mais diversas áreas, seja em termos sociais, religiosos, políticos e éticos. De fato, rejeitando os discursos e os exercícios intelectuais, aprimoravam o estilo de vida como o essencial de sua filosofia.
De qualquer modo, em termos gerais, três foram as principais críticas dirigidas aos cínicos.
AUSÊNCIA DE DOGMATISMO
O movimento foi criticado especialmente por não ter uma dogmata (conjunto de crenças apoiadas em princípios). Na antiguidade, havia dois entendimentos que concorriam entre si sobre o que deveria ser uma escola de filosofia, conforme menciona Diógenes Laércio I: 20. Uma delas define uma escola (hairesis) como a "adesão a diversas crenças, aparentemente coerentes umas com as outras". A outra vê uma escola (hairesis) como uma forma de "conduta que é aparentemente baseada num princípio filosófico que indica como é possível parecer viver corretamente".
Há, portanto, nítido entendimento que o estatuto de escola deva ser dado a um sistema de especulação - um conjunto de crenças ou hipóteses - enquanto condição necessária que uma tradição merecesse. Para alguns críticos da época, se o cinismo não apresentava um conjunto de crenças e princípios, então não era escola, mas apenas e tão-somente um modo de vida, e nada mais.
A AUSÊNCIA DE UM FIM (TELOS)
A segunda crítica aos cínicos era que faltava um telos, uma finalidade em seu sistema. Temos, variadas referências sobre o objetivo do cinismo, como no Imperador Juliano (A meta da vida de Antístenes, Diógenes e Crates, e o seu fim, era, em minha opinião, o conhecimento de si mesmo, o desprezo por opiniões vãs e também a busca da verdade. Or. 12. 192a), mas nenhuma delas vindas direto dos fundadores. Apenas com o tempo, quando as escolas começaram a se caracterizar como quem busca o Bem Supremo é que autores posteriores começaram a identificar o cinismo como sendo uma opção válida para esse objetivo.
Não podemos esquecer de Diógenes Laércio, VI: 104: "o fim (do cinismo) consiste em viver de acordo com a virtude". Sugeriu-se que esta formulação provavelmente surgiu com o estóico Apolodoro de Selêucia, a quem também devemos a conhecida definição do cinismo como um atalho para a virtude. Ao atribuir um têlos ao cinismo, Apolodoro pretendia criar a genealogia Sócrates-Antístenes-Diógenes-Crates-Zenão de Cício, que ligava os cínicos e os estóicos diretamente a Sócrates e, com isso, atribuir legitimidade e sacralidade ao estoicismo.
A REJEIÇÃO DE TODA CULTURA INTELECTUAL (PAIDEIA)
A prática do cinismo impedia a adesão restrita à cultura intelectual da época, embora fossem também cultos. Entretanto, rejeitavam as disciplinas tradicionais como música, geometria e astronomia, que consideravam inúteis e desnecessárias. Em sua opinião, esses estudos desviam a humanidade de sua real finalidade, o ser humano (anthopos).
Muitos criticavam essa postura. Galeno, médico de Marco Aurélio, criticava os cínicos por não se apoiarem na lógica e convertia o atalho para a virtude num atalho para a presunção (GALENO, De Peccatorum Dignotione 3.12-13; p. 48, 23-49). Por outro lado, Apuleio despreza profundamente essas "pessoas animalescas, sujas e incultas" que, "ao falar mal e viver igualmente mal" estavam corrompendo a filosofia (APULEIO, Florida 7.10-13).
O cinismo tinha uma reputação claramente ambígua na Antiguidade e os críticos não hesitavam em desautorizar o movimento como uma escola legítima de filosofia. Finalmente, Eunápio (no século IV d.C) refere-se ao cinico Carnéades: "Ele não era, de forma alguma, obscuro entre os cínicos, caso levemos o cinismo em consideração" (EUNÁPIO, Vidas dos Filósofos e dos Sofistas , 2.1.5).
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