Estoicismo de Mulher Maravilha 84


por Breno Lucano

Mulher Maravilha 84 é um filme  ímpar para o estoicismo,  pelo menos no que se refere à psicologia moral.  Mas não apenas ao estoicismo. 

Max Lord é um megaempresário da comunicação, algo como Donald Trump. Ele tem acesso a uma pedra mágica esculpida pelos deuses capaz de realizar desejos. A ideia da realização dos desejos já é bem batida no cinema e até mesmo Aladin, da Disney, trabalha essa premissa. Mas em Mulher Maravilha 84 o aspecto trágico e estoico recai bem num roteiro bem escrito e com boas ações.

Mas voltemos a Max Lord. O empresário usurpa para si os poderes da pedra e ele próprio é capaz de ser uma pedra mágica. Ele se torna um gênio capaz de realizar qualquer desejo. E aqui principia a discussão reflexiva. 

Todos têm algo a ser realizado. Frustrações, coisas que não gostaria de ter passado ou reviver; coisas importantes que ficaram para trás; uma mágoa; um rancor; mas também uma felicidade que não é mais encontrada. Algumas pessoas podem também querer outras coisas, como poder e dinheiro. E, porque não, saúde?

Mulher Maravilha entra na onda. Seu grande amor Steve Trevor retorna à vida muitas décadas depois que seu avião explode no primeiro filme da franquia. Para Diana, o melhor presente dos deuses e, em suas próprias palavras, foi a única coisa que ela realmente quis e que não poderia perder. 

Mas e quando o desejo se torna uma obsessão e dele não conseguimos sair? Por que o desejo por algo, mais do que sua realização, é o próprio desejo de sua permanência. Aquilo que queremos que aconteça, deve ser eterno. E, assim, o próprio desejo manipula a vontade. O desejo se torna apaixonante. 

Aristipo nos dá uma pista, conforme Diógenes Laércio: "eu possuo Laís, mas Laís não me possui". A sentença cirenaica poderia muito bem ser também epicurista, ou platônica, ou estoica. Porque desejar não significa que a coisa seja perene e nem que todas as coisas devam se concretizar. O desejo não necessita ser ardente. É como alguém que, faminto, lhe é ofertado um banquete. Talvez as pessoas comuns pulem encima da refeição, enquanto o sábio apenas se reclina, pega uma maçã e degusta com prazer a fruta. Se delicia, saboreia, tendo a certeza de que ela vai acabar. E, ao acabar, sai dali feliz porque saboreou uma maçã. Ou que bebe um cálice de vinho. Ele não engole como se fosse água - embora Epicuro talvez discorde -, mas degusta o vinho, a bebida dos deuses. 

A pedra angular para os estoicos, mais do que se afastar do desejo, é educá-lo, refiná-lo, fazer dele o que quiser, nunca ao contrário. Ali reside a autarquia estoica, o autodomínio que apenas o sábio é capaz de ter. Ele não deseja qualquer coisa, nem muitas coisas, como no filme. Ele não desejará ogivas nucleares ou ser famoso. 

Diana cometeu um erro ao desejar o retorno de Steve Trevor, assim como Bárbara. A geóloga desengonçada, insegura, que mal consegue se comunicar imediatamente se torna uma mulher empoderada, sensual: uma predadora. Mas o desejo tem seus caprichos! À medida em que essa nova Bárbara surge, imediatamente temos novos contornos. Sheeta aparece como uma verdadeira Mulher Leopardo. 

A educação dos desejos tem o poder de fazer com que os desejos sejam bem escolhidos porque refletidos. Os desejos não são feitos de forma aleatória, mas passam por estrito rigor intelectual. 

E, finalmente, caímos no aspecto trágico do filme, bem à moda nietzscheniana. Quem estaria disposto a negar um desejo, especialmente os ardentes, aquilo que muito desejamos e quase nunca temos? Bárbara seria capaz de negar seu desejo de se assemelhar à Diana e voltar a ser aquela geóloga desengonçada e insegura? Diana seria capaz de negar seu desejo e nunca mais ver Steve Trevor?

O desejo tem suas delícias, mas também suas amarguras. Nem sempre o que desejamos é o melhor, e nem eterno. Podemos desejar coisas que acabam logo em seguir, e depois necessitarmos de mais desejos, e essa ânsia nunca termina. Nesse caso, teríamos um prazer que se torna dor - basta lembrar O Banquete de Platão. 

Poderíamos desejar a renúncia do desejo de uma cura de uma doença? Diana enfrenta esses dilemas, e Lord também. Mas ele se vê obrigado para salvar seu filho. 

Ao que parece, os deuses estão sempre testando os mortais. 









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