Egésia e os seus seguidores 1 reafirmaram o princípio da escola de que o fim é o prazer, porém mantendo que o prazer só era atingível de modo descontínuo e, portanto, não possuído por nós; eles chegaram a sustentar, inclusive, que o prazer é algo relativo e não objetivo.
Parecia claro a Egésia que só o prazer era um bem e a dor um mal, e que só aquele podia dar a felicidade, dado que para ele não existiam outros valores independentes do prazer e da utilidade:
"Gratidão, amizade e beneficência nada são, pois as escolhermos, não por elas mesmos, mas por razões de utilidade, na ausência das quais nem mesmo aquelas subsistem."2
Mas, se é verdade que o prazer parece ser o único bem, é igualmente verdade que ele foge das mãos e que o seu contrário sempre leva vantagem em nós:
"O corpo, de fato, é cheio de mil sofrimentos, a alma sofre com o corpo e é perturbada, e a sorte tornaa vãs muitas das coisas que esperamos... "3
Não se pode dizer nem mesmo que a riqueza determine o prazer, dado que tanto os ricos como os pobres dele gozam, quando gozam. É tampouco, segundo Egésia, para determinar a medida do prazer, incidem a liberdade, a nobreza, a sabedoria, nem os seus contrários, pelo mesmo motivo. 4
Pelo contrário, Egésia e seus seguidores, como já acenamos, contestavam inclusive que o prazer fosse algo naturalmente determinado de modo objetivo e consideravam-no, ao invés, algo relativo, assim como as sensações:
"Consideravam que nada era por natureza aprazível ou desagradável: pela raridade ou pela novidade ou pela saciedade acontece que alguns gozam e outros não [...]. Desvalorizavam também as sensações, porque não dão conhecimento certo, mas faziam tudo o que lhes parecia razoável." 5
Baseado nessas premissas, Egésia e os seus seguidores concluíam que a felicidade é inatingível e a vida é indiferente:
"A felicidade é [...] irrealizável. Vida e morte devem ser tomadas sem preferência [...]. Para o insensato, viver pode ser vantajoso, mas para o homem sábio, é indiferente." 6
A morte não deve ser de modo algum temida, porque não nos separa dos bens, mas dos males. Este pensamento valeu a Egésia a alcunha de persuasor de morte. 7
O sábio, então, não se afanará em buscar o inatingível prazer e a inexistente felicidade, mas viverá evitando os males, mediante a indiferença (adiaforía):
"Por isso o sábio não se afanará tanto em buscar os bens para si quanto em evitar os males, propondo-se como fim uma vida nem fatigosa nem dolorosa, coisa que se realiza com um estado de ânimo de indiferença com relação ao que produz o prazer." 8
Nessa indiferença não há lugar sequer para a amizade. Egésia sustentava, com efeito, que o sábio devia fazer todas as coisas por si, e não devia considerar os outros dignos de si (nenhum sacrifício pelos outros, segundo o nosso filósofo, vale a pena). 9
À fragilidade dessas conclusões lança um pouco de luz a retomada da doutrina socrática da involuntariedade da culpa, com os relativos corolários éticos e pedagógicos:
"Diziam [i.e, Egésia e seus seguidores] que aos erros cabe o perdão: não nos enganamos voluntariamente, mas constrangidos por alguma paixão. Portanto, não se deve odiar, antes ensinar." 10
Notas:
1. Sobre Egésia e os seus seguidores chegaram-nos pouquíssimos testemunhos, entre os quais o mais rico é o de Diógenes Laércio (II, 93-96 = Giannantoni, VI, 1 = IV F, 1). Egésia foi contemporâneo do rei Ptolomeu I, como se deduz do fato de que este o tenha proibido de ensinar, porque incitava os alunos ao suicídio (cf. Cícero, Tusc. disput., I, 34, 83 = Giannantoni, VI, 3 = IV F 3).
2. Diógenes Laércio, II, 93 ( = Giannantoni, VI, I = IV F, I)
3. Diógenes Laércio, II, 94 ( = Giannantoni, VI, I = IV F, I)
4. Ibidem.
5. Ibidem.
6. Ibidem.
7. Epifânio, Adv. haeres., III, 2, 9 ( = Giannantoni, VI, 2 = IV F, 2). Cícero informa também que Egésia escreveu um livro intitulado Aquele que se deixa morrer de fome, "no qual um homem, a ponto de morrer de inédia, é salvo pelos amigos, e responde-lhes enumerando todos os males da vida" (Tusc. disput., I, 34, 84 = Giannantoni, VI, 4 = IV F, 4)
8. Diógenes Laércio, II, 95s ( = Giannantoni, IV, 1 = IV F, 1)
9. Cf. Diógenes Laércio, II, 95 ( = Giannantoni, IV, 1 = IV F, 1)
10. Ibidem
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga III: Os Sistemas da Era Helenística. São Paulo: Loyola, 1994. p. 49-51
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Felicidade
Epicuro e o Jardim da Amizade e do Prazer
Parecia claro a Egésia que só o prazer era um bem e a dor um mal, e que só aquele podia dar a felicidade, dado que para ele não existiam outros valores independentes do prazer e da utilidade:
"Gratidão, amizade e beneficência nada são, pois as escolhermos, não por elas mesmos, mas por razões de utilidade, na ausência das quais nem mesmo aquelas subsistem."2
Mas, se é verdade que o prazer parece ser o único bem, é igualmente verdade que ele foge das mãos e que o seu contrário sempre leva vantagem em nós:
"O corpo, de fato, é cheio de mil sofrimentos, a alma sofre com o corpo e é perturbada, e a sorte tornaa vãs muitas das coisas que esperamos... "3
Não se pode dizer nem mesmo que a riqueza determine o prazer, dado que tanto os ricos como os pobres dele gozam, quando gozam. É tampouco, segundo Egésia, para determinar a medida do prazer, incidem a liberdade, a nobreza, a sabedoria, nem os seus contrários, pelo mesmo motivo. 4
Pelo contrário, Egésia e seus seguidores, como já acenamos, contestavam inclusive que o prazer fosse algo naturalmente determinado de modo objetivo e consideravam-no, ao invés, algo relativo, assim como as sensações:
"Consideravam que nada era por natureza aprazível ou desagradável: pela raridade ou pela novidade ou pela saciedade acontece que alguns gozam e outros não [...]. Desvalorizavam também as sensações, porque não dão conhecimento certo, mas faziam tudo o que lhes parecia razoável." 5
Baseado nessas premissas, Egésia e os seus seguidores concluíam que a felicidade é inatingível e a vida é indiferente:
"A felicidade é [...] irrealizável. Vida e morte devem ser tomadas sem preferência [...]. Para o insensato, viver pode ser vantajoso, mas para o homem sábio, é indiferente." 6
A morte não deve ser de modo algum temida, porque não nos separa dos bens, mas dos males. Este pensamento valeu a Egésia a alcunha de persuasor de morte. 7
O sábio, então, não se afanará em buscar o inatingível prazer e a inexistente felicidade, mas viverá evitando os males, mediante a indiferença (adiaforía):
"Por isso o sábio não se afanará tanto em buscar os bens para si quanto em evitar os males, propondo-se como fim uma vida nem fatigosa nem dolorosa, coisa que se realiza com um estado de ânimo de indiferença com relação ao que produz o prazer." 8
Nessa indiferença não há lugar sequer para a amizade. Egésia sustentava, com efeito, que o sábio devia fazer todas as coisas por si, e não devia considerar os outros dignos de si (nenhum sacrifício pelos outros, segundo o nosso filósofo, vale a pena). 9
À fragilidade dessas conclusões lança um pouco de luz a retomada da doutrina socrática da involuntariedade da culpa, com os relativos corolários éticos e pedagógicos:
"Diziam [i.e, Egésia e seus seguidores] que aos erros cabe o perdão: não nos enganamos voluntariamente, mas constrangidos por alguma paixão. Portanto, não se deve odiar, antes ensinar." 10
Notas:
1. Sobre Egésia e os seus seguidores chegaram-nos pouquíssimos testemunhos, entre os quais o mais rico é o de Diógenes Laércio (II, 93-96 = Giannantoni, VI, 1 = IV F, 1). Egésia foi contemporâneo do rei Ptolomeu I, como se deduz do fato de que este o tenha proibido de ensinar, porque incitava os alunos ao suicídio (cf. Cícero, Tusc. disput., I, 34, 83 = Giannantoni, VI, 3 = IV F 3).
2. Diógenes Laércio, II, 93 ( = Giannantoni, VI, I = IV F, I)
3. Diógenes Laércio, II, 94 ( = Giannantoni, VI, I = IV F, I)
4. Ibidem.
5. Ibidem.
6. Ibidem.
7. Epifânio, Adv. haeres., III, 2, 9 ( = Giannantoni, VI, 2 = IV F, 2). Cícero informa também que Egésia escreveu um livro intitulado Aquele que se deixa morrer de fome, "no qual um homem, a ponto de morrer de inédia, é salvo pelos amigos, e responde-lhes enumerando todos os males da vida" (Tusc. disput., I, 34, 84 = Giannantoni, VI, 4 = IV F, 4)
8. Diógenes Laércio, II, 95s ( = Giannantoni, IV, 1 = IV F, 1)
9. Cf. Diógenes Laércio, II, 95 ( = Giannantoni, IV, 1 = IV F, 1)
10. Ibidem
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga III: Os Sistemas da Era Helenística. São Paulo: Loyola, 1994. p. 49-51
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