Telos Cínico

Antístenes
[...] A segunda crítica era que faltava ao cinismo um "fim" (telos). 1 Na verdade, possuímos evidências antigas sobre o telos cínico 2, mas elas não podem ser atribuídas a Antístenes ou Diógenes. Foi só depois que as escolas filosóficas começaram a ser caracterizadas de acordo com o "bem supremo" a que visavam (seguindo Aristóteles) que autores posteriores, desejosos de considerar o cinismo uma "escola" genuína, formularam um telos específico para ele.

Segundo a definição dada por Diógenes Laércio (6, 104), "o 'fim' [do cinismo] consiste em viver de acordo com a virtude." 3 Sugeriu-se que essa formulação provavelmente tenha se originado com o estóico Apolodoro de Selêucia 4, a quem devemos também a famosa definição do cinismo como um "atalho para a virtude." Ao atribuir ao cinismo o seu próprio fim particular, Apolodoro procurava dar suporte à sua crença numa genealogia (Sócrates-Antístenes-Diógenes-Crates-Zenão de Cício) que ligava os cínicos e os estóicos diretamente a Sócrates. Essa construção era fundamental para a afirmação de Apolodoro de que o cinismo devia ser reconhecido como uma "escola" (hairesis) filosófica plena.



Outros, porém - e não só Hipóboto - negavam que o cinismo tivesse o seu próprio telos. Encontramos um eco dessa posição numa passagem de De Philosophia, de Varrão, em que o cinismo é reduzido a um simples "estilo de vida" (habitus ou consuetudo) compatível com qualquer escola filosófica, qualquer que fosse seu telos. 5



Notas
:

1. A partir da Ética a Nicômaco de Aristóteles (cf. Livro I), tornou-se costumeiro fazer uma enumeração de vários fins e, em especial, do fim máximo, ou telos. Um bem supremo era então atribuído a cada escola filosófica para que ela pudesse ser posicionada em relação às demais.

2. Assim CLEMENTE DE ALEXANDRIA, Strom. 2.21, 130, 7; v. 2, p. 184, 18 Stahlin ("Antístenes diz que a Atyphia é a meta da vida); JULIANO, Or. 9.8.188b-c ("A meta da vida de Antístenes, Diógenes e Crates, e o seu fim, era, em minha opinião, o conhecimento de si mesmo, o desprezo por opiniões vãs e também a busca da virtude [...] com toda a força de sua inteligência"); e 13.193d ("A meta e o fim propostos pela filosofia cínica, como, de mais a mais, por toda a filosofia, é a felicidade; mas essa felicidade consiste em viver em conformidade com a natureza, não de acordoc om as opiniões da multidão").

3. GOULET-CAZÉ, Le Livre VI de Diogéne..., 3.941-49

4. D.L., 7. 121

5. A passagem é citada por AGOSTINHO, Cidade de Deus, 19.1.2-3



GOULET-CAZÉ, Marie-Odile. Introdução. In__: GOULET-CAZÉ, Marie-Odile & BRANHAM, R. Bracht, Org. Os Cínicos: O Movimento Cínico na Antiguidade e o Seu Legado. Edições Loyola: São Paulo, 2007. p. 33


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Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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