Helvétius, Pedagogo e Utilitarista

por Breno Lucano


Helvétius presta culto ao interesse púbico: o despotismo existe quando triunfa o interesse pessoal do governante. Com frequência são encontradas em suas obras as formulações "ventura pública", "bem público", "felicidade geral", "salvação pública", "interesse público". Seu programa político não se esconde ao formular um utilitarismo hedonista cuja fórmula é: "a felicidade da maioria".

A perseguição de Do Espírito durante o regime político fez com que, em seu livro póstumo, escrevesse: "Minha pátria recebeu finalmente o jugo do despotismo". Em termos marxistas, Helvétius percebe o que se chama luta de classes e a pauperização do povo por meio do despotismo. E o que é despotismo? A resposta não poderia ser outra senão toda prática que abole a distinção entre justo e injusto, o regime que proíbe a liberdade de palavra, de expressão, de publicação, o governo que controla a produção, difusão e circulação das idéias. Definições não muito longe do que encontramos hoje.



"Iguais em felicidade" é a formulação do filósofo. Mesmo aparentemente não tendo contato com Meslier e sua revolução, Helvétius defende o acesso a propriedade fundiária para todos. Propõe uma jornada de trabalho que não exceda as sete ou oito horas diárias - uma novidade em termos de século XVIII! -, produção de riquezas unicamente com o fim de prover as necessidades diárias e pagar as taxas úteis ao Estado para garantir a segurança e a proteção do território nacional. Advoga o princípio girondino do federalismo duas vezes em sua obra, sendo contrário a pesada máquina estatal, nacional, centralizada, aquela que irá entusiasmar os jacobinos centralizadores.

Se, por hora, a revolução não é possível, torna-se necessária a revolução existencial. Contrário a Rousseau, com quem não pára de brigar, afirma em Do Homem que a pessoa não nasce boa. Mas também não nasce má. Antes, neutra. Assim, temos a preocupação da pedagogia como fórmula de construção de uma antropologia. Toda maldade não passa de uma questão de forma de governo, de má-educação, de instrução defeituosa, de formatação fracassada das crianças. Educar não supõe outra coisa senão a construção de homens felizes, cuja felicidade privada contribuirá para a felicidade pública da nação.

A educação - e não apenas a educação - deve levar em consideração a moral utilitarista. O bem leva e consideração às consequências. Contrário a Kant, a mentira pode ser benéfica se salvar um homem; por outro lado, a verdade deve ser evitada se for um entrave para a felicidade individual e coletiva. Todos querem usufruir? Todos recusam o sofrimento? O trabalho é realizado necessariamente por interesse próprio? Conhecedor de tais premissas, o pedagogo excita seu aluno a amar o saber, a desejar a cultura despertando mele o interesse e a preferência por certos movimentos em detrimento de outros.Mas a pedagogia, qualquer que seja, possui seus limites. E, por mais que se esforce, o educador nunca poderá determinar a totalidade de um ser, apenas uma grande parte dele. As lacunas encontradas entre a construção antropológica e a educação formula o gênio aqui, o homem comum ali.

Em 5 de dezembro de 1793, já falecido, Robespierre manda quebrar o busto de Helvétius sob acusação post morten de ter sido cúmplice dos proprietários, contra-revolucionário e oportunista. O filósofo que escreve "a felicidade da geração futura não está jamais ligada à infelicidade da geração presente" teria facilmente reconhecido o déspota oriental com vestes francesas.


Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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