Denúncia de Bolsonaro por Tentativa de Golpe: Uma Análise Filosófica sobre Democracia e Autoritarismo


por Breno Lucano


A recente denúncia do ex-presidente Jair Bolsonaro pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentativa de golpe de Estado abre um campo vasto para análise dentro da filosofia contemporânea. Esse evento não é apenas um fato jurídico ou político, mas um fenômeno que levanta questões sobre democracia, autoritarismo, poder e a fragilidade das instituições. Como a filosofia pode interpretar esse momento histórico?

A denúncia contra Bolsonaro insere-se em um contexto global no qual democracias vêm sendo testadas por líderes populistas. O filósofo francês Michel Onfray, por exemplo, argumenta que o populismo surge como resposta ao esgotamento das democracias liberais. No entanto, há uma linha tênue entre a contestação legítima do sistema e a ruptura antidemocrática. A acusação da PGR contra Bolsonaro se insere exatamente nessa tensão: trata-se de um líder que, ao perder as eleições, teria tentado subverter as regras democráticas para se manter no poder.


O pensamento de Hannah Arendt também se torna essencial para a análise desse caso. Arendt, em sua obra "Origens do Totalitarismo", discute como regimes autoritários nascem da erosão da verdade factual e da manipulação do discurso político. A tentativa de golpe, segundo as investigações, teria sido articulada através da disseminação de informações falsas e do enfraquecimento das instituições. Esse modus operandi ecoa a tese arendtiana de que o totalitarismo se sustenta na destruição da confiança pública na verdade e na legalidade.

Outro autor fundamental para compreender a denúncia contra Bolsonaro é Jürgen Habermas, que enfatiza a importância da comunicação racional e do espaço público democrático. A tentativa de golpe revelaria uma ruptura desse ideal, pois Bolsonaro e seus aliados teriam utilizado o discurso político para minar a legitimidade do processo eleitoral e criar uma atmosfera propícia à quebra institucional. A teoria do agir comunicativo de Habermas sugere que a democracia depende de um debate racional e livre, algo que, segundo a PGR, foi sistematicamente atacado pelo ex-presidente.

Dentro da tradição filosófica brasileira, podemos recorrer a Paulo Freire, que enfatizava o papel da educação na formação da consciência democrática. A ascensão de discursos autoritários e antidemocráticos, como os que marcaram a era Bolsonaro, mostra um déficit na educação política do país. A denúncia da PGR não é apenas um ato jurídico, mas um sintoma de um problema mais profundo: a dificuldade de consolidar uma cultura política baseada na reflexão crítica e na valorização da democracia.

O pensamento de Giorgio Agamben também pode lançar luz sobre esse episódio. Agamben analisa como o estado de exceção pode ser utilizado como ferramenta para a concentração de poder. Durante seu governo, Bolsonaro frequentemente flertou com a ideia de que o país vivia um estado de emergência, justificando ações que enfraqueciam a democracia. A tentativa de golpe, caso confirmada, seria a culminação desse processo, demonstrando a vulnerabilidade do sistema frente a líderes que exploram a insegurança social para avançar suas agendas autoritárias.

Slavoj Žižek, por sua vez, poderia interpretar o bolsonarismo como uma manifestação do mal-estar na civilização contemporânea. Em sua análise sobre populismos de direita, Žižek aponta que esses movimentos muitas vezes canalizam o ressentimento das massas contra instituições democráticas. A denúncia da PGR contra Bolsonaro, portanto, não pode ser vista apenas como um caso isolado, mas como parte de uma crise global da democracia representativa, onde líderes populistas desafiam as estruturas formais do poder.

A filosofia do direito também tem muito a contribuir para essa reflexão. Hans Kelsen, defensor da primazia da legalidade e do Estado de Direito, argumentava que a democracia se sustenta no respeito às normas jurídicas. A denúncia contra Bolsonaro representa, nesse sentido, uma reafirmação da ordem constitucional frente à ameaça de ruptura. Por outro lado, Carl Schmitt, teórico do decisionismo, poderia argumentar que Bolsonaro agiu dentro da lógica do líder soberano, que se coloca acima das regras em momentos de crise. A PGR, ao denunciá-lo, reforça a tese kelseniana de que a democracia deve se proteger contra líderes que tentam subvertê-la.

Em um cenário global de avanço da extrema-direita, a denúncia contra Bolsonaro pode ser vista como um marco na luta pela preservação das democracias. Autores como Nancy Fraser destacam que a crise política contemporânea reflete uma disputa entre diferentes formas de poder, e a tentativa de golpe no Brasil não pode ser analisada isoladamente, mas como parte de um movimento maior de desestabilização democrática.

Além disso, a perspectiva de Byung-Chul Han sobre o neoliberalismo e a sociedade do cansaço pode ajudar a compreender como figuras autoritárias ascendem ao poder. Bolsonaro foi eleito em um contexto de desilusão com a política tradicional, explorando um discurso de ruptura com o establishment. A tentativa de golpe revela o quanto esse tipo de liderança pode levar à corrosão dos valores democráticos.

A denúncia contra Bolsonaro não é apenas um processo jurídico, mas um ponto de inflexão na história política do Brasil. A filosofia contemporânea nos oferece ferramentas para interpretar esse acontecimento de maneira mais profunda, revelando suas conexões com tendências globais de enfraquecimento das democracias.

O Brasil, ao enfrentar essa crise, se depara com questões fundamentais sobre sua identidade política. A denúncia da PGR contra Bolsonaro reforça a necessidade de vigilância democrática e de fortalecimento das instituições. A democracia não é um dado permanente, mas um processo que exige constante defesa e renovação.

A filosofia política nos ensina que as ameaças ao regime democrático nem sempre vêm de fora, mas muitas vezes surgem internamente, por meio de líderes que desafiam as normas e exploram a polarização social. A acusação contra Bolsonaro deve ser vista como um alerta sobre os riscos do autoritarismo.

O pensamento filosófico nos lembra que a democracia não se resume ao voto, mas envolve um compromisso com a verdade, com a legalidade e com a participação ativa da sociedade. A denúncia contra Bolsonaro levanta debates sobre a necessidade de mecanismos mais eficazes para proteger a democracia contra tentativas de golpe e erosão institucional.

A análise desse caso nos obriga a refletir sobre o papel do poder e da autoridade na sociedade contemporânea. Será que estamos preparados para reconhecer e enfrentar ameaças à democracia? A filosofia contemporânea sugere que esse enfrentamento passa por uma profunda revisão do nosso compromisso com os valores democráticos.

O futuro político do Brasil dependerá da capacidade de suas instituições e de sua sociedade em responder a essa crise. A denúncia contra Bolsonaro abre um precedente importante para a responsabilização de líderes que atentam contra a democracia.

Por fim, o episódio evidencia que a luta pela democracia é contínua e exige uma sociedade crítica e participativa. A filosofia contemporânea nos ensina que a liberdade política não é uma dádiva, mas uma conquista que deve ser defendida todos os dias.

Terapeuta holístico, acupunturista e massoterapeuta especializado em práticas integrativas.Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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