359a - e
Dizem que uma injustiça é, por natureza, um bem e sofrê-la, um mal,mas que ser vítima de injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometê-la. De maneira que, quando as pessoas praticam ou sofrem injustiças umas das outras, e provam de ambas, lhes parece vantajoso, quando não podem evitar uma coisa ou alcançar a outra, chegar a um acordo mútuo, para não cometerem injustiças nem serem vítimas delas. Daí se originou o estabelecimento de leis e convenções entre elas a designação de legal e justo para as prescrições da lei. Tal seria a gênese e essência da justiça, que se situa a meio caminho entre o maior bem - não pagar a pena das injustiças - e o maior mal - ser incapaz de se vingar de uma injustiça. Estando a justiça colocada entre estes dois extremos, deve, não preitear-se como um bem, mas honrar-se devido à impossibilidade de praticar a injustiça. Uma vez que o que pudesse cometê-la e fosse verdadeiramente um homem nunca aceitaria a convenção de não praticar nem sofrer injustiças, pois seria loucura. Aqui tens, Sócrates, qual é a natureza da justiça, e qual a sua origem, segundo é voz corrente.
Sentiremos melhor como os que observam a justiça o fazem contra a vontade, por impossibilidade de cometerem injustiças, se imaginarmos o caso seguinte. Demos o poder de fazer o que quiser a ambos, ao homem justo e ao injusto; depois, vamos atrás deles, para vermos onde é que a paixão leva cada um. Pois bem! Apanhá-lo-emos, ao justo, a caminhar para a mesma meta que o injusto, devido à ambição, coisa que toda criatura está por natureza disposta a procurar alcançar como um bem; mas, por convenção, é forçada a respeitar a igualdade. E o poder a que me refiro seria mais ou menos como o seguinte: terem a faculdade que se diz ter sido concedida ao antepassado de Lídio - Giges. Era ele um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a uma grande tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior do que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão. Arrancou-lho e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado, os quais falavam dele como se se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visível. Tendo observado estes fatos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se o voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo fez com que fosse um dos delegados que iam junto do rei. uma vez lá chegando, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o, e assim se tomou o poder.
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Se, portanto, houvesse dois anéis como este, e o homem justo pudesse um, e o injusto outro, não haveria ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça, e que lhe dado tirar à vontade o que quisesse do mercado, entrar nas casas e unir-se a quem lhe apetecesse, matar ou libertar das algemas a quem lhe aprouvesse, e faze tudo o mais entre os homens, como se fosse igual aos deuses. Comportando-se dessa maneira, os seus atos em nada difeririam dos do outro, mas ambos levariam o mesmo caminho. E disto se poderá afirmar que é uma grande prova, de que ninguém é justo por sua vontade, mas forçado, por entender que a justiça não é um bem em si, individualmente, uma vez que, quando cada um julga que lhe é possível cometer injustiças, comete-as. Efetivamente, todos os homens acreditam que lhes é muito mais vantajosa, individualmente, a injustiça do que a justiça. E têm razão, como dirá o defensor desta argumentação. Uma vez que, se alguém que usurpasse tal poder não quisesse jamais cometer injustiças, nem apropriar-se dos bens alheios, pareceria aos que disso soubessem muito desgraçado e insensato. Contudo, haviam de elogiá-lo em presença uns dos outros, enganando-se reciprocamente, com receio de serem vítimas de alguma injustiça. Assim são, pois, estes fatos.
Dizem que uma injustiça é, por natureza, um bem e sofrê-la, um mal,mas que ser vítima de injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometê-la. De maneira que, quando as pessoas praticam ou sofrem injustiças umas das outras, e provam de ambas, lhes parece vantajoso, quando não podem evitar uma coisa ou alcançar a outra, chegar a um acordo mútuo, para não cometerem injustiças nem serem vítimas delas. Daí se originou o estabelecimento de leis e convenções entre elas a designação de legal e justo para as prescrições da lei. Tal seria a gênese e essência da justiça, que se situa a meio caminho entre o maior bem - não pagar a pena das injustiças - e o maior mal - ser incapaz de se vingar de uma injustiça. Estando a justiça colocada entre estes dois extremos, deve, não preitear-se como um bem, mas honrar-se devido à impossibilidade de praticar a injustiça. Uma vez que o que pudesse cometê-la e fosse verdadeiramente um homem nunca aceitaria a convenção de não praticar nem sofrer injustiças, pois seria loucura. Aqui tens, Sócrates, qual é a natureza da justiça, e qual a sua origem, segundo é voz corrente.
Sentiremos melhor como os que observam a justiça o fazem contra a vontade, por impossibilidade de cometerem injustiças, se imaginarmos o caso seguinte. Demos o poder de fazer o que quiser a ambos, ao homem justo e ao injusto; depois, vamos atrás deles, para vermos onde é que a paixão leva cada um. Pois bem! Apanhá-lo-emos, ao justo, a caminhar para a mesma meta que o injusto, devido à ambição, coisa que toda criatura está por natureza disposta a procurar alcançar como um bem; mas, por convenção, é forçada a respeitar a igualdade. E o poder a que me refiro seria mais ou menos como o seguinte: terem a faculdade que se diz ter sido concedida ao antepassado de Lídio - Giges. Era ele um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a uma grande tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior do que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão. Arrancou-lho e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado, os quais falavam dele como se se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visível. Tendo observado estes fatos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se o voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo fez com que fosse um dos delegados que iam junto do rei. uma vez lá chegando, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o, e assim se tomou o poder.
360a - e
Se, portanto, houvesse dois anéis como este, e o homem justo pudesse um, e o injusto outro, não haveria ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça, e que lhe dado tirar à vontade o que quisesse do mercado, entrar nas casas e unir-se a quem lhe apetecesse, matar ou libertar das algemas a quem lhe aprouvesse, e faze tudo o mais entre os homens, como se fosse igual aos deuses. Comportando-se dessa maneira, os seus atos em nada difeririam dos do outro, mas ambos levariam o mesmo caminho. E disto se poderá afirmar que é uma grande prova, de que ninguém é justo por sua vontade, mas forçado, por entender que a justiça não é um bem em si, individualmente, uma vez que, quando cada um julga que lhe é possível cometer injustiças, comete-as. Efetivamente, todos os homens acreditam que lhes é muito mais vantajosa, individualmente, a injustiça do que a justiça. E têm razão, como dirá o defensor desta argumentação. Uma vez que, se alguém que usurpasse tal poder não quisesse jamais cometer injustiças, nem apropriar-se dos bens alheios, pareceria aos que disso soubessem muito desgraçado e insensato. Contudo, haviam de elogiá-lo em presença uns dos outros, enganando-se reciprocamente, com receio de serem vítimas de alguma injustiça. Assim são, pois, estes fatos.
Oi, Breno!
ResponderExcluirMuito legal a proposta do seu blog e aforma como vc coloca discursões de ordem filosófica de uma maneira bastante didática. Esse texto é uma baita reflexão sobre justiça e leis.
Abraço,
http://cafecomnoticias.blogspot.com