O resultado das invasões dóricas, a partir do século XII a.C, é a ruína dos reinos micênicos, com sua estrutura de base agrária, patriarcal e gentílica. Fugindo aos invasores e tentando salvaguardar suas tradições, muitos aqueus são forçados a emigrar para as ilhas e as costas da Ásia Menor. Aí os jônios fundarão cidades, como Mileto e Efeso, que se transformarão em grandes centros econômicos e culturais. As principais atividades econômicas das colônias gregas da Ásia Menor tornam-se, por força mesma de sua localização geográfica, a navegação, o comércio e o artesanato. E, enquanto se intensificam as relações com outros povos, cada vez mais distantes vão ficando as velhas tradições remanescentes da sociedade micênica. A acelerada dinâmica social das cidades-Estados jônicas corrói as antigas instituições e os valores arcaicos, fazendo emergir uma nova mentalidade, fruto da valorização das individualidades que se afirmam nas circunstâncias e iniciativas presentes.
Durante o século VII a.C, as novas condições de vida das colônias gregas da Ásia Menor acentuam-se devido à revolução econômica representada pela adoção do regime monetário. A moeda, facilitando as trocas, vem fortalecer econômica e socialmente aqueles que vivem do comércio, da navegação e do artesanato, marcando definitivamente a decadência da organização social baseada na aristocracia de sangue. A partir de então e sobretudo no decorrer do século VII a.C., a expansão das técnicas — já desvinculadas da primitiva concepção que lhes atribuía origem divina — passa a oferecer ao homem imagens explicativas dotadas de alta dose de racionalidade, conduzindo à progressiva rejeição e à substituição da visão mítica da realidade. A técnica que o homem consegue compreender e dominar a ponto de realizá-la com suas próprias mãos, repeti-la e sobretudo ensiná-la apresenta-se como um processo de transformação e de criação. Por que não seria semelhante àquele, o processo que teria produzido o universo atual e dentro dele continuaria a operar mudanças?
Natural, portanto, que ocorressem nas colônias gregas da Ásia Menor as primeiras manifestações de um pensamento dotado de tamanha exigência e compreensão racional que, depois de produzir as epopéias homéricas (entre os séculos X e VIII a.C), eclodiu, no século VI a.C, sob a forma de ciência teórica e filosofia. È bem verdade que, já no século VIII a.C, Hesíodo expusera em suas obras poéticas uma síntese de relatos míticos tradicionais, vinculando-os pelo nexo causai das genealogias que ligavam deuses e mortais. Mas, a partir do século VI a.C, esse tipo de construção cedeu lugar a uma nova e mais radical forma de pensamento racional, que não partia da tradição mítica, mas de realidades apreendidas na experiência humana cotidiana. Fruto da progressiva valorização da "medida Humana" e da laicização da cultura efetuada pelos gregos, despontou, nas colônias da Ásia Menor, uma nova mentalidade, que coordenou racionalmente os dados da experiência sensível, buscando integrá-los numa visão compreensiva e globalizadora. Dentro desse espírito surgiram na Jônia, as primeiras concepções científicas e filosóficas da cultura ocidental, propostas pela escola de Mileto.
Procurando reduzir a multiplicidade percebida à unidade exigida pela razão, os pensadores de Mileto propuseram sucessivas versões de uma física e de uma cosmologia constituídas em termos qualitativos: as qualidades sensíveis (como "frio", "quente", "leve", "pesado") eram entendidas como realidades em si ("o frio", "o quente" etc.). O universo apresentava-se, assim, como um conjunto ou um "campo" no qual se contrapunham pares de opostos.
Segundo uma tradição, que remonta aos próprios gregos antigos, o primeiro filósofo teria sido Tales de Mileto. As datas a respeito de sua vida são incertas, sabendo-se, porém, com segurança, que ele viveu no período compreendido entre o final do século VII e meados do século VI a.C. Famoso como matemático, alguns historiadores consideram que sua colocação pelos antigos entre os "sete sábios da Grécia" deveu-se principalmente a sua atuação política: teria tentado unir as cidades-Estados da Ásia Menor numa confederação, no intuito de fortalecer o mundo helênico diante das ameaças de invasões de povos orientais.
Para a história da filosofia, a importância de Tales advém sobretudo de ter afirmado que a água era a origem de todas as coisas. A água seria a physis, que, no vocabulário da época, abrangia tanto a acepção de "fonte originária" quanto a de "processo de surgimento e de desenvolvimento", correspondendo perfeitamente a "gênese". Segundo a interpretação que dará Aristóteles séculos mais tarde, teria tido início com Tales a explicação do universo através da "causa material". Historiadores modernos, porém, rejeitam essa interpretação, que "aristoteliza" Tales, atribuindo-lhe preocupação de cunho metafísico. Assim, há quem afirme (Paul Tannery) que Tales foi importante apenas como introdutor na Grécia de noções da matemática oriental, que ele mesmo desenvolveu e aperfeiçoou, e de mitos cosmogônicos, particularmente egípcios, que laicizou, dando-lhe sustentação racional. Noutra interpretação (Olof Gigon), "o surgir da água" significaria um processo geológico, sem acepção metafísica: tudo estaria originariamente encoberto pela água; sua evaporação permitiu que as coisas aparecessem. Por outro lado, alguns intérpretes consideram que outra sentença atribuída a Tales — "tudo está cheio de deuses" — representa não um retorno a concepções míticas, mas simplesmente a idéia de que o universo é dotado de animação, de que a matéria é viva (hilozoísmo).
Um dos aspectos fundamentais da mentalidade científico-filosófica inaugurada por Tales consistia na possibilidade de reformulação e correção das teses propostas. A estabilidade dos mitos arcaicos e à estagnação das esparsas e assistemáticas conquistas da ciência oriental, os gregos, a partir de Tales, propõem uma nova visão de mundo cuja base racional fica evidenciada na medida mesma em que ela é capaz de progredir, ser repensada e substituída. Assim é que, já nos meados do século VI a.C, a chefia da escola de Mileto passa a Anaximandro. Introdutor na Grécia e aperfeiçoador do relógio de sol (gnomon), de origem babilônica, foi também o primeiro a traçar um mapa geográfico.
Para Anaximandro, o universo teria resultado de modificações ocorridas num princípio originário ou arché. Esse princípio seria o ápeiron, que se pode traduzir por infinito e/ou ilimitado. Desde a Antigüidade, discute-se se o ápeiron pode ser interpretado como infinitude espacial, como indeterminação qualitativa, ou se envolve os dois aspectos. Certo é que, para Anaximandro, o ápeiron estaria animado por um movimento eterno, que ocasionaria a separação dos pares de opostos. No único fragmento que restou de sua obra, Anaximandro afirma que, ao longo do tempo, os opostos pagam entre si as injustiças reciprocamente cometidas. Para alguns intérpretes isso significaria a afirmação da lei do equilíbrio universal, garantida através do processo de compensação dos excessos (por exemplo, no inverno, o frio seria compensado dos excessos cometidos pelo calor durante o verão).
O último representante da escola milesiana foi Anaxímenes. Para ele, o universo resultaria das transformações de um ar infinito (pneuma ápeiron). Aproveitando — segundo Farrington — a sugestão oferecida pela técnica de fabricação de feltro (produzido por aglutinação de materiais dispersos), em grande expansão na Mileto de sua época, Anaxímenes afirmava que todas as coisas seriam produzidas através do duplo processo mecânico de rarefação e condensação do ar infinito. O pensamento milesiano adquiria, assim, consistência, pois, além de se identificar qual a physis, mostrava-se um processo capaz de tornar compreensível a passagem da unidade primordial à multiplicidade de coisas diferenciadas que constituem o universo.
Como Anaximandro, também a Anaxímenes os doxógrafos — escritores antigos que recolheram ou transcreveram as opiniões dos primeiros filósofos — atribuem a doutrina da constituição, a partir da arché única, de inumeráveis mundos, gerados de maneira sucessiva e/ou simultânea.
Extraído da coleção Os Pensadores.
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Durante o século VII a.C, as novas condições de vida das colônias gregas da Ásia Menor acentuam-se devido à revolução econômica representada pela adoção do regime monetário. A moeda, facilitando as trocas, vem fortalecer econômica e socialmente aqueles que vivem do comércio, da navegação e do artesanato, marcando definitivamente a decadência da organização social baseada na aristocracia de sangue. A partir de então e sobretudo no decorrer do século VII a.C., a expansão das técnicas — já desvinculadas da primitiva concepção que lhes atribuía origem divina — passa a oferecer ao homem imagens explicativas dotadas de alta dose de racionalidade, conduzindo à progressiva rejeição e à substituição da visão mítica da realidade. A técnica que o homem consegue compreender e dominar a ponto de realizá-la com suas próprias mãos, repeti-la e sobretudo ensiná-la apresenta-se como um processo de transformação e de criação. Por que não seria semelhante àquele, o processo que teria produzido o universo atual e dentro dele continuaria a operar mudanças?
Natural, portanto, que ocorressem nas colônias gregas da Ásia Menor as primeiras manifestações de um pensamento dotado de tamanha exigência e compreensão racional que, depois de produzir as epopéias homéricas (entre os séculos X e VIII a.C), eclodiu, no século VI a.C, sob a forma de ciência teórica e filosofia. È bem verdade que, já no século VIII a.C, Hesíodo expusera em suas obras poéticas uma síntese de relatos míticos tradicionais, vinculando-os pelo nexo causai das genealogias que ligavam deuses e mortais. Mas, a partir do século VI a.C, esse tipo de construção cedeu lugar a uma nova e mais radical forma de pensamento racional, que não partia da tradição mítica, mas de realidades apreendidas na experiência humana cotidiana. Fruto da progressiva valorização da "medida Humana" e da laicização da cultura efetuada pelos gregos, despontou, nas colônias da Ásia Menor, uma nova mentalidade, que coordenou racionalmente os dados da experiência sensível, buscando integrá-los numa visão compreensiva e globalizadora. Dentro desse espírito surgiram na Jônia, as primeiras concepções científicas e filosóficas da cultura ocidental, propostas pela escola de Mileto.
Procurando reduzir a multiplicidade percebida à unidade exigida pela razão, os pensadores de Mileto propuseram sucessivas versões de uma física e de uma cosmologia constituídas em termos qualitativos: as qualidades sensíveis (como "frio", "quente", "leve", "pesado") eram entendidas como realidades em si ("o frio", "o quente" etc.). O universo apresentava-se, assim, como um conjunto ou um "campo" no qual se contrapunham pares de opostos.
Segundo uma tradição, que remonta aos próprios gregos antigos, o primeiro filósofo teria sido Tales de Mileto. As datas a respeito de sua vida são incertas, sabendo-se, porém, com segurança, que ele viveu no período compreendido entre o final do século VII e meados do século VI a.C. Famoso como matemático, alguns historiadores consideram que sua colocação pelos antigos entre os "sete sábios da Grécia" deveu-se principalmente a sua atuação política: teria tentado unir as cidades-Estados da Ásia Menor numa confederação, no intuito de fortalecer o mundo helênico diante das ameaças de invasões de povos orientais.
Para a história da filosofia, a importância de Tales advém sobretudo de ter afirmado que a água era a origem de todas as coisas. A água seria a physis, que, no vocabulário da época, abrangia tanto a acepção de "fonte originária" quanto a de "processo de surgimento e de desenvolvimento", correspondendo perfeitamente a "gênese". Segundo a interpretação que dará Aristóteles séculos mais tarde, teria tido início com Tales a explicação do universo através da "causa material". Historiadores modernos, porém, rejeitam essa interpretação, que "aristoteliza" Tales, atribuindo-lhe preocupação de cunho metafísico. Assim, há quem afirme (Paul Tannery) que Tales foi importante apenas como introdutor na Grécia de noções da matemática oriental, que ele mesmo desenvolveu e aperfeiçoou, e de mitos cosmogônicos, particularmente egípcios, que laicizou, dando-lhe sustentação racional. Noutra interpretação (Olof Gigon), "o surgir da água" significaria um processo geológico, sem acepção metafísica: tudo estaria originariamente encoberto pela água; sua evaporação permitiu que as coisas aparecessem. Por outro lado, alguns intérpretes consideram que outra sentença atribuída a Tales — "tudo está cheio de deuses" — representa não um retorno a concepções míticas, mas simplesmente a idéia de que o universo é dotado de animação, de que a matéria é viva (hilozoísmo).
Um dos aspectos fundamentais da mentalidade científico-filosófica inaugurada por Tales consistia na possibilidade de reformulação e correção das teses propostas. A estabilidade dos mitos arcaicos e à estagnação das esparsas e assistemáticas conquistas da ciência oriental, os gregos, a partir de Tales, propõem uma nova visão de mundo cuja base racional fica evidenciada na medida mesma em que ela é capaz de progredir, ser repensada e substituída. Assim é que, já nos meados do século VI a.C, a chefia da escola de Mileto passa a Anaximandro. Introdutor na Grécia e aperfeiçoador do relógio de sol (gnomon), de origem babilônica, foi também o primeiro a traçar um mapa geográfico.
Para Anaximandro, o universo teria resultado de modificações ocorridas num princípio originário ou arché. Esse princípio seria o ápeiron, que se pode traduzir por infinito e/ou ilimitado. Desde a Antigüidade, discute-se se o ápeiron pode ser interpretado como infinitude espacial, como indeterminação qualitativa, ou se envolve os dois aspectos. Certo é que, para Anaximandro, o ápeiron estaria animado por um movimento eterno, que ocasionaria a separação dos pares de opostos. No único fragmento que restou de sua obra, Anaximandro afirma que, ao longo do tempo, os opostos pagam entre si as injustiças reciprocamente cometidas. Para alguns intérpretes isso significaria a afirmação da lei do equilíbrio universal, garantida através do processo de compensação dos excessos (por exemplo, no inverno, o frio seria compensado dos excessos cometidos pelo calor durante o verão).
O último representante da escola milesiana foi Anaxímenes. Para ele, o universo resultaria das transformações de um ar infinito (pneuma ápeiron). Aproveitando — segundo Farrington — a sugestão oferecida pela técnica de fabricação de feltro (produzido por aglutinação de materiais dispersos), em grande expansão na Mileto de sua época, Anaxímenes afirmava que todas as coisas seriam produzidas através do duplo processo mecânico de rarefação e condensação do ar infinito. O pensamento milesiano adquiria, assim, consistência, pois, além de se identificar qual a physis, mostrava-se um processo capaz de tornar compreensível a passagem da unidade primordial à multiplicidade de coisas diferenciadas que constituem o universo.
Como Anaximandro, também a Anaxímenes os doxógrafos — escritores antigos que recolheram ou transcreveram as opiniões dos primeiros filósofos — atribuem a doutrina da constituição, a partir da arché única, de inumeráveis mundos, gerados de maneira sucessiva e/ou simultânea.
Extraído da coleção Os Pensadores.
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Através das histórias dos pensadores da antiguidade podemos tomar profundos aprendizados e conhecimentos que vão nos ajudar pela vida toda!
ResponderExcluirum abraço.