Breno Lucano |
Breno Lucano: Formei-me no início de 2003. No fim da graduação cursei a disciplina Introdução à Filosofia. Foi amor à primeira vista. Minha antiga professora, estudiosa de Epicuro, acabou se tornando uma de minhas orientadoras do trabalho de conclusão de curso.
PV: Pouco depois de sua graduação, o senhor ingressou num seminário franciscano. Conte-nos essa história.
BL: Meu ingresso no seminário foi apenas a conclusão natural de um desejo antigo. Por vários anos estive envolvido em trabalhos voluntários com população de rua, numa remota época em que fora espírita. Mas sempre achei que o máximo que eu fazia era pouco diante de tanta necessidade humana. Assim, aliei minha grande admiração por são Francisco a um novo estilo de vida, onde, enquanto frei, eu poderia ter contato direto com as pessoas em tempo integral.
PV: Como foi sua experiência enquanto seminarista?
BL: Foi a experiência mais importante de minha vida, a que mais marcou minha formação. Ao contrário do que se pensa, trabalha-se muito. Estudávamos todos os dias pela manhã e trabalhávamos à tarde, em diversas atividades, sempre voltadas para a coletividade. As aulas iam de música à formação cristã e franciscana. Possuo imenso sentimento de gratidão pelos frades.
PV: Apesar de suas experiências pregressas, com muita frequência o senhor faz severas críticas à religião.
BL: O problema da religião não é a religião, mas o que as pessoas fazem da religião. Desprezando o enorme potencial humano para a bondade, muitos religiosos sobrepõem deus aos direitos humanos. Há alguns meses li uma matéria sobre a extração de clitória imposta a mulheres em tribos muçulmanas da África. Outras são apedrejadas até a morte no Irã em casos de adultério enquanto homens são açoitados. Veja o assassinato de Harvey Milk e Luther King Jr.. Todos em nome da bondade de deus.
PV: Tais crimes não são distorções interpretativas da religião?
BL: Em alguns casos, sim. Mas não na maioria dos casos. Podemos interpretar Platão de várias formas e a índole do hermeneuta, sua história e propensões psicológicas interferem na interpretação. Não raro se utiliza de textos clássicos para justificar pontos-de-vista próprios. No Brasil colônia, a escravidão era legitimada biblicamente.
PV: Então seria uma saída reorientar os religiosos?
BL: Seria se não houvesse alternativa; mas há. Estamos habituados a pensar a ética no sentido bíblico: deus exige o bem. O que proponho é uma ética sem deus.
PV: Isso é possível?
BL: Tomo de empréstimo a linha de Onfray, em seu Tratado de Ateologia: com deus, tudo é permitido. Por deus, temos o desastre de 11 de setembro, guerras entre católicos e protestantes na |Irlanda, disputas entre hindus e muçulmanos na Caxemira, a exclusão de gays, a Jihad, o holocausto, as fogueiras. Ora, deus é a causa de todas essas coisas. Então, devemos suprimi-lo para o nosso próprio bem.
BL: Deus, a partir de Adão e Eva, se impõe com proibições. Desde uma rápida leitura de Deuteromônios até em Paulo para perceber. O ciumento Javé exige devoção integral, extensa purificação dos costumes, submissão das mulheres, abolição das ciências em detrimento das Escrituras. No Brasil, o último grande exemplo foi a da psicóloga Marisa Lobo, que subordina seu saber científico em prol de sua fé ao propor a cura de gays. Antagonicamente, temos a emblemática figura de Lúcifer, com sua redentora proposta de liberdade e contínua escolha por novos caminhos. Nesse sentido, temos a destruição de Sodoma e Gomorra, cidades lendárias formadas por homens verdadeiramente livres e, portanto, felizes. E a felicidade é sempre resposta a uma escolha subjetivamente formada.
PV: Qual o fundamento de sua pedagogia?
BL: Basicamente, a morte de deus, conforme Nietzsche. E, com ele, a morte de uma sociedade patriarcal, dominada pelo medo e a esperança pelo sobrenatural. Quando isso ocorrer, se isso ocorrer, teremos uma subjetividade mais preocupada com o hoje, com o corpo, as sensações, sabores e odores da existência. Poderemos morrer não como alguém que se castrou a vida inteira e m prol de um juízo final imaginário, mas como alguém que foi livre para viver, amar e inventar.
PV: De que modo a filosofia se articula com os direitos humanos?
BL: Em primeiro lugar, deve-se ignorar as preocupações mágicas e sobrenaturais. Apenas os anjos vivem no Reino, não nós. Em segundo lugar, deve-se entender que a filosofia por si só é ineficaz. É necessária uma natural compaixão pela dor do outro, um se preocupar verdadeiramente, como são Francisco. E, uma vez feito isso, desconstruir nossos próprios preconceitos e falsas prioridades.
PV: Por que o senhor se ocupou com o ativismo gay?
BL: As estatísticas apóiam a escolha. No Brasil, um LGBT morre a cada 36 horas. O número certamente é muito maior pelas sub notificações. Tudo isso sem contar com as injúrias, descriminações, agressões físicas. A comunidade LGBT está cada vez mais visível nos últimos anos e os setores conservadores da sociedade, geralmente religiosos, respondem a isso.
PV: De que modo os religiosos respondem?
BL: Com violência simbólica, quando indicam que a homossexualidade é abominação. Como se sente um adolescente quando houve isso? Lembro sempre o dramático caso de Bobby Griffith, jovem gay que se suicidou no início dos anos 80 por não ser aceito por sua mãe presbiteriana. Esse caso foi contato no filme Orações Para Bobby. Há muitos Bobbys por aí, que se escondem, se envergonha, são desprezados e abandonados por apenas ser quem são. E que se matam por nunca terem sido amados.
PV: E quanto à atual situação política?
BL: Essa é outra forma de violência. Pode parecer pouco, mas a aprovação do casamento igualitário garantirá à comunidade LGBT 76 direitos civis que lhe são negados. É claro que os evangélicos combatem este, entre outros projetos, em nome de deus, mesmo que aleguem outros motivos. Silas Malafaia nunca entendeu que, por trás de seu discurso de democracia, defende ódio aos gays. Muitas agressões possuem motivações religiosas. Não discursa pela democracia, mas para um país evangélico, que defende o que ele entende por moral e bons costumes, um apartheid gay.
BL: O tema da parada gay de São Paulo de 2012 propôs a educação. E a presidente Dilma apresentou um retrocesso ao vetar o material pedagógico que seria distribúido nas escolas. Casos de bullying como o de Santo Ângelo/RS, no início de 2012, podem ser evitados com comprometimento político pela dor do outro. Mas os evangélicos não se preocupam com o outro, apenas com deus. Por isso, o Projeto de Emenda Constitucional 99/11, a PEC da Teocracia, proposta pelo deputado João Campos (PSDB - GO), é um atentado à democracia e aos direitos humanos. Imaginem se instituições religiosas tivessem o direito de propor ações de inconstitucionalidade e constitucionalidade a leis e atos normativos? Qualquer lei que não se enquadre no modelo cristão será barrada. Teríamos um Irã no Brasil.
PV: Quais suas últimas palavras?
BL: Existem religiosos sensíveis à questão LGBT. O pastor Ricardo Gondim, frei Betto e padre Fábio de Mello possuem colocações bastante humanitárias. Recentemente, a Diocese de Maringá levanta a possibilidade da criação da Pastoral da Diversidade. A verdade é que há muito o que fazer e cada um coopera como pode por um mundo melhor. Seja com população de rua, comunidade LGBT, menores, indígena, tráfico de pessoas, trabalho escravo. A responsabilidade é apenas nossa.
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