por Breno Lucano
"Todos os homens desejam ser felizes, sem nenhuma exceção. Quaisquer que sejam os meios que os homens empregam para tanto, tendem todos para esse objetivo. A vontade não faz o mínimo passo senão para esse objeto. Este é o motivo de todas as ações de todos os homens, até daqueles que se matam e que se enforcam." - Pascal, em Os Pensamentos, Art. VII
Claro, todos conhecem o famoso retrato pintado por Rafael, La Scuola di Atene, encontrado no Vaticano, em que são retratados todos os filósofos da antiguidade, desde o famoso Platão até figuras conhecidas apenas na academia, como Diógenes. Bem ao centro da foto, e para demonstrar a figura dos dois grandes nomes da antiguidade, são representados Platão e Aristóteles. Reparem a posição das mãos de ambos. Platão aponta para o alto, afirmando que todo o Bem pertence ao âmbito do divino, do abstrato, do contemplativo, do teórico. Aristóteles, negando as ponderações de seu antigo professor, professa que o Bem deriva do terreno e dele depende toda a felicidade humana. Vejamos de que forma esse Bem como felicidade é visto na ética.
Por diversas vezes ao longo da história do pensamento ético Bem - ou o Sumo Bem - foi identificado com a felicidade: é bom que todo homem seja feliz! Essa tese foi apresentada, entre outros, por Aristóteles, para quem a felicidade é aspirada naturalmente. Contudo, se lembrarmos que os trabalhos manuais serão desprezados na antiguidade, essa felicidade se encontra no uso da capacidade intelectual, teórica, contemplativa. Contrariando os Estóicos, para quem a felicidade se encontra no uso estrito da razão, Aristóteles entende que a felicidade se disponibiliza de acordo com algumas condições específicas, como as condições materiais de vida (segurança econômica) e liberdade pessoal.
Alguns séculos adiante, os cristãos - mas também neoplatônicos - entendem a impossibilidade da obtenção da felicidade neste mundo e a transferem para um mundo-fora-do-mundo, sobrenatural. Toda infelicidade e sofrimento deste mundo serão compensados por total felicidade após a morte, com a união do sujeito à Deus.
Na modernidade, e em especial no século XVIII, com os Iluministas, a felicidade passa a ser um direito do homem neste mundo. Não era mais necessária a morte para a obtenção de um estado natural humano que apenas seria possível em Deus. De modo geral, a felicidade passa a ser assunto terreno, material, embora não utilizassem as clássicas condições peripatéticas de ambiente material e liberdade.
Um século após e até os dias atuais, Aristóteles ganhou força com essa abordagem, de modo que virou hábito associarmos felicidade a determinadas condições sociais. O discurso pós-moderno com bastante frequencia afirma categoricamente que a felicidade é impossível ante a miséria, a exploração, a falta de liberdade política, com a descriminação racial e de orientação sexual e de gênero. Por outro lado, pensa-se que seria extremamente simplista pensarmos que apenas a resolução destes males sociais seria capaz de propor uma resposta realmente satisfatória para o problema da felicidade.
A felicidade, antes entendida como um objetivismo axiológico, agora passa ser englobado no campo do subjetivismo axiológico e psicológico. Em outras palavras, em outros tempos e filosofias, a felicidade era questão de acomodação a determinados princípios morais que a garantisse, como, por exemplo, não se apegar ao que pertence ou faz parte do mundo imanente, uma vez que ele está em perpétuo devir e, assim, apenas o Uno seria capaz de garantir o estado ideal do homem. Lembremos que esta fórmula, entre tantas outras, ainda impregna o discurso religioso atual e entra em discordância com teorias éticas atuais. A felicidade não se encontra mais em idéias abstratas - Deus, virtude, imortalidade, perpétua guerra entre bem e mal -, mas é algo de foro íntimo.
Na atualidade, mais uma vez, é preciso resaltar os nexos entre realidade social e felicidade individual. O Bem, identificado agora como felicidade, passa a ser aquilo que eu consigo realizar na sociedade. A felicidade como realização tangencia questões como vocação no trabalho, condições sócio-ambientais e de infraestrutura habitacional, empregabilidade, renda, acessibilidade aos mais variados serviços, construção familiar em suas mais diversas formas.
Outro aspecto da felicidade na sociedade atual é que ela está associada ao espírito da posse material, herança da burguesia no fim da Idade Média. A felicidade terá relação diretamente proporcional ao quanto de acesso financeiro o sujeito dispor. Ou, de forma mais simples e impregnada de senso comum, apenas se é feliz se com riqueza material e mais feliz será quanto mais dinheiro houver. Aqui o sistema social e econômico cria a própria felicidade e a fortalece. Vemos, portanto, como a sociedade forja seu próprio conceito de felicidade e como esse conceito estrutura todo o alicerce da própria sociedade.
Mas será a felicidade a única forma de se pensar ética? Veremos isso no futuro.
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