por Breno Lucano
Da imensa obra de Epicuro, Diógenes Laércio transcreveu três epístolas (A Heródoto sobre a física, A Pítocles sobre os meteoros, A Meneceu sobre a moral), e 40 máximas capitais. Oitenta máximas foram descobertas há um século num manuscrito do Vaticano. Alguns fragmentos da monumental obra de Epicuro, Da Natureza, também estão disponíveis.
O que nos resta da sua obra é bastante consistente para termos uma idéia precisa do pensamento do filósofo do Jardim. Como era costume na época, Epicuro faz ligação entre suas reflexões físicas e éticas. Contudo, as Epístolas e Máximas de que dispomos praticamente não tratam de lógica, conhecida pela doxografia. Mas a física é amplamente desenvolvida nas epístolas (A Pítocles e A Heródoto).
Epicuro considera que todo sofrimento provém de desconhecimento que se possui em relação ao mundo e de nossa relação com ele; por exemplo, da crença de que a morte é algo temível. A física deve ser cultivada por ser útil à terapêutica dos temores, e não pelo seu conhecimento em si - essa, aliás, é uma característica da filosofia contemporânea. Assim, pode-se pensar o mundo, mas esse mundo não possui implicação ética; ele, de modo algum, interfere na forma como os sujeitos se relacionam. Para Epicuro, pensar a questão do juízo é, antes de tudo, pensar o mundo.
Os princípios (encontrados na Epístola a Heródoto) são extraídos na tradição de Abdera (Leucipo e Demócrito). Nada nasce do nada. A natureza não é um caos sem ordem, onde tudo pode acontecer. O universo em sua totalidade – sem nada excluir do que é – é constituído por átomos e pelo vazio. Os átomos são sólidos, compactos, inacessíveis a modificações, não-engendrados, indestrutíveis. Evidentemente, os átomos não possuem, como em Demócrito, nenhuma das qualidades sensíveis que sua agregação determina nos corpos, na escala macroscópica de nossa percepção. Em razão do peso que têm, por um movimento natural, tendem para baixo. Esse movimento dos átomos é, porém, modificado por um ligeiro desvio aleatório, a declinação (parênkesis, ou clinamen, no latim de Lucrécio), que produz o seu entrechoque. Desses choques nascem os compostos que constituem o universo. Este não deve ser confundido com a infinidade de mundos que o constituem. Enquanto o universo é eterno, os mundos só têm existência passageira, ainda que retornem ciclicamente à existência em razão da infinidade do tempo.
Epicuro não disserta minunciosamente sobre astronomia, meteorologia, a biologia e a antropologia que decorrem dessa concepção atomista. Para tanto, será necessário esperar Lucrécio, que desenvolverá esses temas com muito mais riqueza que seu mestre. Vale destacar apenas que o atomismo de Epicuro é exposto de maneira rigorosa e coerente, e que não recua diante de nenhuma conseqüência: o caráter corporal, portanto mortal da alma, a negação expressa de finalidades. O autor destina um lugar aos deuses, mas não lhes atribui nenhum papel criador ou providencial; sua filosofia possui variação atéia, já que, embora não negue categoricamente a existência das divindades, não lhe confere atribuições cosmológicas ou éticas. De resto, a posteridade não se enganou a respeito disso.
A moral epicurista (Ep. A Meneceu) é uma moral do prazer e do gozo. O prazer epicurista remete mais a um estado que a um movimento de gozo. Aliás, prazer em movimento, entendido como livre fruição, não é característica epicuréa, mas cirenaica - Diógenes Laércio descreve essa característica que distingue Epicuro de Aristipo.
O prazer catastemático (estável) resulta da plenitude dos equilíbrios vitais. Mas o hedonismo teórico de Epicuro desemboca curiosamente numa moral prática próxima do ascetismo (o que destrói as calúnias que durante muito tempo fizeram dele alguém voltado para o gozo, e do adjetivo “epicurista” sinônimo do bon-vivant ou devasso). Os prazeres existem, devem ser perseguidos, mas não qualquer prazer, não em qualquer situação. Quando o prazer vier sucedido de um desprazer, deve ser evitado. Os prazeres são objeto de cálculo, não autorizando o sábio a sucumbir ao primeiro desejo que se apresente. O prazer mais elevado é o da amizade compartilhada. A questão central se concentra no controle dos prazeres.
Uma das passagens mais populares de Epicuro consiste em sua reflexão sobre a morte. A morte, que, como consenso quase universal, é temível para todos os homens, não é nada. Ou seja, não deve ser temido. Epicuro tranquiliza Meneceu: estar morto é não ser mais, e o que não é não pode ser afetado por nada, nem para o mal nem para o bem.
A justiça não é um valor transcendente, ideal, que Platão imaginava. O direito é apenas convenção, e seu fundamento é a utilização recíproca (Máximas capitais XXXI a XXXVIII). Aqui, vozes do Utilitarismo.
Mais do que seus predecessores Leucipo e Demócrito, mais que seu continuador Lucrécio (que não se pode deixar de ler), Epicuro é símbolo do materialismo tranqüilo que, já na época helenística, forjou as armas que servirão a tantos outros.
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