por Breno Lucano
A filosofia é uma daquelas disciplinas para qual tudo se torna objeto de investigação. Podemos filosofar sobre assuntos tão diversos e, aparentemente, sem qualquer relação, como a linguagem e a cosmologia, a estética e a moral, a mente e a gastronomia. Assim, de que modo poderíamos pensar sobre um tema atual e que gera, a cada ano, vários milhões de dólares de lucro nas indústrias cinematográficas: o sexo e a pornografia?
Pornografia vende. E mesmo que mentalidades mais moralistas tentem profanar a sacralidade dialética do sexo, alocando-o no campo do proibido para menores, todos consomem seus produtos. Passamos por sex shops e ficamos pensando que tipo de produtos existem, além das famosas próteses. Lubrificantes, calcinhas cosmetíveis, géis afrodisíacos: há tantos e variados produtos quanto maior for a imaginação do consumidor.
Mas como dialogar sobre esse tema? Inicialmente, claro, recordo Sade. O Divino Marquês foi, por muito tempo, proclamado como maldito por razões injustificadas. Não o temos como um simples libertino que prega a pornografia e a conduz ao imaginário popular por meio de seus romances. Sade torna o Castelo de Siling ao mesmo tempo o seu paraíso e seu calvário. Paraíso porque traz a liberdade e o afastamento do mal à existência humana; calvário, porque o tempo não o permitia. E ainda hoje não o permite.
Sade se torna o escritor e filósofo pornográfico por excelência. Utiliza do grosseiro como possibilidade teórico de um mundo sem Deus, sem moral - ao menos em seu teor judaico-cristão -, pecaminoso e corrompido. O incenso das igrejas é substituído pelo enxofre dos infernos.
Sodomia, incesto, coprofagia, mutilação, aborto, assassinato. O Marquês retoma temas que, genericamente, podemos chamar de mal. E o mal assola a todos porque a Natureza é má. Somos homens naturais, estando submetidos a tudo, a qualquer coisa. O rei é decaptado, o pobre se torna burguês, o nobre passa fome. A fortuna espreita às sombras e Sade dá uma resposta a isso. Como escapar do porvir? Sendo indiferente à Natureza.
Silling é tomado como um laboratório onde todas as atrocidades naturais são produzidas. O sábio libertina as experiementa como mecanismo de desensibilização, como forma de se afastar de tudo de mal que possa ocorrer. Sade denuncia a luxúria como um vício. Então, se afaste dele. Ou melhor: não se relacione com ele. Assim como o prazer. A abstenção quase estóica é relembrada como um antídoto dos males futuros a partir das possibilidades artificialmente criadas no presente.
Mas Sade não é um estóico, como Diógenes não é um libertino. Estoicismo, Cinismo e Libertinismo andam por trilhas diversas. A Stoa se afasta; o libertino se adentra e o cínico come nas margens da pornografia. Não por acaso, Diógenes é visto por alguns estudiosos como um filósofo hedonista.
Diógenes hedonista? A imagem do filósofo se masturbando na ágora, conforme relatado por Diógenes Laércio, pressupõe algumas considerações. Isso porque Diógenes se afasta de Aristipo quanto à forma de ler o prazer, o sexo e a pornografia. O "Sócrates enlouquecido", como Platão o chama quebra convenções, dilapida normas, ruboriza os mais conservadores. Se é possível se sentir fome em qualquer lugar, então em qualquer lguar é possível comer. Mas também copular, defecar, cuspir, urinar. Isso porque o corpo é conceito central no cinismo. Com ele o sábio é capaz de transfigurar a moeda, de reverter os valores. O corpo se mostra, os fluídos são publicados, os flatos sentidos ao redor. O sensualismo, sempre presente. Crates, diferentemente de Diógenes, se casa. Os relatos mencionam cenas de sexo em público. Crates, como um pedagogo, como um sábio investido na missão de conduzir homens, busca algo com um ato tão grosseiro. Vale lembrar que a sociedade grega e, posteriormente, a romana, são imensamente sexualizadas. Mas, mesmo aqui, o sexo possui seus limites e dilemas.
As revistas Playboy e G Magazine não vendem pornografia. Vendem erotismo. A diferença é grande. Vejamos! A pornografia é descritiva, relata atos. Dialoga com uma linguagem universalmente compreendida, por todas as culturas. Sempre objetivo. Sexo será sempre sexo e dessa forma é entendida. Utiliza o verbo no imperativo e se faz mostrar pelo imediato, pela simples e direta interpretação. Ocupa-se unicamente com a cena. Não se desenvolve no tempo, sendo de pouca duração.
O erotismo envolve outro domínio.Caracteriza não mais a objetiva interpretação, mas a especulação. Envolve o subjetivo e, com isso, não é universalmente compreendido. Parte do domínio público para o particular, para o individual. É sempre contextualizada, necessita de um cenário, de uma estória. Permeado pela imaginação e criatividade e, ambos, andam lado-a-lado com a estética.
Sexo, erotismo e pornografia: tríade hedonista que, enquanto tal, dizem tanto respeito ao homem quanto à filosofia.
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