Ao que eu saiba, Freud nunca cita Antífon de Atenas, que no entanto bem poderia ser considerado o precursor da disciplina criada em Viena no início do século XX. Julgue-se: depois de recorrer a libelos de um gênero publicitário, Antífon abre perto da ágora de Corinto uma espécie de consultório no qual recebe pacientes que submete a um tratamento baseado na palavra. Primeiro escuta privadamente, depois segue uma terapia verbal. O conteúdo dessa conversa visa o desaparecimento do sofrimento que levou o paciente ao domicílio do filósofo. Os detalhes dessa medicação da alma pelo verbo estavam certamente consignados em seu livro A arte de escapar à aflição, mas essa obra não foi reencontrada...
Reconhecia-se que o sofista tinha um imenso poder de persuasão, um poder de fogo verbal considerável. Imagina-se o terapeuta que deve ter sido. Sua opinião materialista, monista, imanente permite-lhe conceber que é possível ter aceso à causa profunda do mal, situada na matéria atônica do paciente com ajuda da palavra que produz representações úteis para agir sobre o corpo e infletir as lógicas de sofrimentos psíquicos, portanto corporais. Os princípios da psicanálise encontram-se aqui reunidos de maneira espantosa.
Pior, ou melhor; Antífon confere aos sonhos um papel primordial na economia dessa terapia. Propõe, de fato, interpretá-los. À sua maneira, ele poderia fazer do sonho a via mais direta que leva ao que ainda não se chamava inconsciente, mas que se dissimula nos átomos psíquicos antes de contaminar os átomos somáticos.
Sete séculos antes de A chave dos sonos de Artemidoro de Éfeso, Antífon pratica uma onirocrítica que procede da exegese racional e se apóia no exercício de uma pura e simples lógica das causalidades naturais. Longe da inspiração, do transe ou do recurso à magia irracional, o médoto sofista remete à análise, à conjectura, à pesquisa dos encadeamentos, à mais clássica racionalidadea apoiada numa teoria das causas e dos efeitos. A isso se acrescenta o talento do intérprete para produzir sentido.
Antífon não propõe a verdade do sonho, mas uma verdade do intérprete, a dele. No caso - mas é conjetura minha ... - pode-se imaginar uma interpretação inflectida no sentido da terapia: o analista provavelmente apresentava uma leitura útil para conduzir a relação terapêutica. O temor de que o sonho anunciasse uma necessidade implacável fazia dele um material sensível na produção das aflições e dos sofrimentos. Ninguém tem dúvida de que o sofista, hábil retor, dotado para as palavras, mobilizava toda a sua arte para neutralizar a potencia negativa do sonho oferecendo dele uma leitura catártica...
ONFRAY, Michel. Contra-História da Filosofia 1: As Sabedorias Antigas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. p. 90-91
Reconhecia-se que o sofista tinha um imenso poder de persuasão, um poder de fogo verbal considerável. Imagina-se o terapeuta que deve ter sido. Sua opinião materialista, monista, imanente permite-lhe conceber que é possível ter aceso à causa profunda do mal, situada na matéria atônica do paciente com ajuda da palavra que produz representações úteis para agir sobre o corpo e infletir as lógicas de sofrimentos psíquicos, portanto corporais. Os princípios da psicanálise encontram-se aqui reunidos de maneira espantosa.
Pior, ou melhor; Antífon confere aos sonhos um papel primordial na economia dessa terapia. Propõe, de fato, interpretá-los. À sua maneira, ele poderia fazer do sonho a via mais direta que leva ao que ainda não se chamava inconsciente, mas que se dissimula nos átomos psíquicos antes de contaminar os átomos somáticos.
Sete séculos antes de A chave dos sonos de Artemidoro de Éfeso, Antífon pratica uma onirocrítica que procede da exegese racional e se apóia no exercício de uma pura e simples lógica das causalidades naturais. Longe da inspiração, do transe ou do recurso à magia irracional, o médoto sofista remete à análise, à conjectura, à pesquisa dos encadeamentos, à mais clássica racionalidadea apoiada numa teoria das causas e dos efeitos. A isso se acrescenta o talento do intérprete para produzir sentido.
Antífon não propõe a verdade do sonho, mas uma verdade do intérprete, a dele. No caso - mas é conjetura minha ... - pode-se imaginar uma interpretação inflectida no sentido da terapia: o analista provavelmente apresentava uma leitura útil para conduzir a relação terapêutica. O temor de que o sonho anunciasse uma necessidade implacável fazia dele um material sensível na produção das aflições e dos sofrimentos. Ninguém tem dúvida de que o sofista, hábil retor, dotado para as palavras, mobilizava toda a sua arte para neutralizar a potencia negativa do sonho oferecendo dele uma leitura catártica...
ONFRAY, Michel. Contra-História da Filosofia 1: As Sabedorias Antigas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. p. 90-91
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