Voltaire e Cinismo

[...]

Mas vamos voltar a Voltaire. Ele certamente não era um cínico no sentido de um cinismo que despreza a cultura, as ciências e as artes e reduz as necessidades humanas ao mínimo natural. Pelo contrário, para ele tal atitude parecia ridícula e paradoxal, e constituía um ataque ao seu modo de vida. Ainda assim, algo o ligava também ao cinismo: era o sarcasmo mordaz de que ele era capaz e que direcionava particularmente contra a religião em sua foprma não-iluminada. Nesse aspecto, ele pode ser comparado a Luciano, de que era tanto um cínico como um satirizador dos cínicos. Ao tomar posse dessa herança cínica, que viria a se tornar uma parte vital do cinismo moderno, Voltaire tornou-se um cínico. O Contra-Iluminismo religioso de fato insultava-o como cínico. Na imagem de Joseph de Maistre pintou dele um extremo revanchismo, ele apareceu como um cínico pervertido no sentido clássico e um cínico no sentido moderno, ao mesmo tempo. A imagem do cínico sujo, feio e ferino fundiu-se com a do cínico moderno. Nesse contexto, o cinismo de Voltaire tornou-se fisiologicamente tangível; ele estava escrito em seu rosto:



"Olhe para essa testa desprezível, que nunca corou de pudor, essas duas crateras extintas em que devassidão e ódio ainda parecem efervescer. Essa boca - posso estar dizendo algo cruel, mas a culpa não é minha - esse focinho horrível que vai de uma orelha a utra, e esses lábios, apertados como uma mola de aço por perversidade desdenhosa, prontos a qualquer momento para atacar com desprezo e calúnia. "

Essa é a descrição da máscara mortuária deVoltaire. Seu cinismo aparecia como um antigo cinismo malevolamente pervertido. De Maistre desdenhava Voltaire como um cínico pervertido, assim como Voltaire havia desdenhado Rousseau como um falso Diógenes. Desprezo e ódio exagerados ao extremo são evidentes em ambas as polêmias. "Outros cínicos conseguiram causar espanto à Virtude; Voltaire causou espanto ao Vício. Ele se lança na imundície e nela se lambuzxa, para dela se encharcar. Leva sua imaginação até o ponto do entusiasmo diabólico, que infunde nele todos os seus poderes a fim de conduzí-lo às fronteiras mais longínguas do mal.


NIEHUES-PROBSTING, Henrich. A Recepção Moderna do Cinismo. Diógenes no Iluminismo. In:__  GOULET-CAZE, Marie-Odile & BRANHAM, Bracht. Os Cínicos: O Movimento Cínico na Antiguidade e Seu Legado. Edições Loyola: São Paulo, 2007. p. 376-377

Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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