A parte da filosofia que mais interessa a Cícero, como já observamos mais de uma vez, é a ética (e não é, pois, sem razão que as suas obras mais vivas são Sobre o Fim dos Bens e dos Males e, sobretudo, a Sobre os Deveres): mais do que nunca é verdade que, para Cícero, que, não a aristotélica atividade contemplativa pura, mas a atividade social prática é a rainha. Eis uma passagem muito eloquente:
"Considero que sejam mais conformes à natureza os deveres que emanam do sentimento social, não os que emanam da sabedoria, e isso pode ser afirmado pelo seguinte argumento: se a um homem sábio coubesse uma condição de vida tal que, afluindo-lhe as mais variadas riquezas, ele pudesse dedicar-se com plena tranquilidade ao estudo e à contemplação de todas as coisas dignas de serem conhecidas, todavia, se a solidão fosse tão grande que a ninguém pudesse ver, ele preferiria morrer [...]. Efetivamente, o conhecimento e a contemplação (da natureza) seriam de certo modo inacabados e imperfeitos, se não lhes seguisse alguma atividade concreta; e essa atividade manifesta-se especialmente em assegurar a utilidade dos homens; refere-se, pois, à sociedade do gênero humano; por isso ela deve ser anteposta à ciência." 1
Mas, mesmo nesse âmbito específico, busca-se em vão novidades em Cícero. Ele discute as éticas dos sistemas epicuristas, estóico, acadêmico e peripatético; rejeita em bloco a moral epicurista e procede a ecléticos acomodamentos entre as outras. De um lado, ele é levado a admirar sobretudo a moral estóica, de outro, faz concessões à moral acadêmica e à peripatética (por ele consideradas substancialmente idênticas). Cícero não pode, com efeito, aceitar o princípio estóico de que só o sábio é bom e todos os outros são viciosos, porque, observa ele, a sabedoria do sábio estóico é tal, que "nenhum mortal ainda a alcançou", e, por isso, ele propõe que se considere o que existe no costume e na vida comum, não o que existe nas puras aspirações e nos puros desejos. 2
Também para ele o princípio fundamental da moral é seguir a nossa natureza individual no respeito pela grande natureza humana. 3
Essa remissão à natureza do homem, que é alma e corpo, permite-lhe temperar a moral estóica e reinvindicar também os direitos do corpo, pois é necessário viver biologiclamente, isto é, satisfazer as exigências do corpo, justamente para poder ulteriormente satisfazer as da razão. E, assim, por este aspecto, ele se alinha da parte dos peripatéticos, como já Panécio e Posidônio em parte faziam.
Mas, depois, volta aos estóicos, ao remeter a virtude inteiramente à razão, discordando da típica acepção aristotélica da virtude ética como via intermediária entre paixões opostas. E como os estóicos, considera a virtude autárquica e bastante para a vida feliz. Ele parece aliar-se aos estóicos também na concepção do sábio como isento de paixões e imperturbável.
Enfim, também as reinvindicada humana liberdade, na obra Sobre o Destino, vão muito pouco além da pura afirmação de uma liberdade intuitivamente captada: os movimentos voluntários da alma não têm causas externas, mas dependem de nós, no sentido de que a própria natureza da nossa alma é a sua causa.
E quando Cícero desce dos princípios à análise dos deveres intermediários (os kathékonta dos estóicos), então revela todo o seu senso prático; mas aqui não estamos mais no cmapo da filosofia em slentido estrito, mas, antes, no da fenomenologia moral. Assim, é inevitável que todas as notações e observações originais encontradas em Cícero, no âmbito das análises morais, não ultrpassem o plano fenomenológico e fiquem teoricamente informes. As ambíguas respostas aos problemas ontológicos e antropológicos do ecletismo não lhe permitem, por razões estruturais, lançar-lhe mais além.
Como justamente disse Marchesi 4, "Cícero não deu novas idéias ao mundo [...]. O seu mundo interior é pobre porque dá abriga a todas as vozes". A sua maior contribuição está, pois, na difusão e divulgação da cultura antiga e, nesse âmbito, ele é verdadeiramente uma figura essencial na história espiritual do Ocidente. "Mesmo aqui - escreve ainda Marchesi - manifesta-se a força divulgadora e animadora do gênio latino: porque nenhum grego teria sido capaz de difundir, como fez Cícero, o pensamento grego pelo mundo". 5
Notas:
1. De Officiis, I, 43
2. De Amicitia, 5, 18
3. Cf. De Officiis, I, 31, 110
4. C. Marchesi, Storia della latteratura latina, Milão 1978, I, p. 317
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. Vol. III. Edição Loyola. p. 462-464
"Considero que sejam mais conformes à natureza os deveres que emanam do sentimento social, não os que emanam da sabedoria, e isso pode ser afirmado pelo seguinte argumento: se a um homem sábio coubesse uma condição de vida tal que, afluindo-lhe as mais variadas riquezas, ele pudesse dedicar-se com plena tranquilidade ao estudo e à contemplação de todas as coisas dignas de serem conhecidas, todavia, se a solidão fosse tão grande que a ninguém pudesse ver, ele preferiria morrer [...]. Efetivamente, o conhecimento e a contemplação (da natureza) seriam de certo modo inacabados e imperfeitos, se não lhes seguisse alguma atividade concreta; e essa atividade manifesta-se especialmente em assegurar a utilidade dos homens; refere-se, pois, à sociedade do gênero humano; por isso ela deve ser anteposta à ciência." 1
Mas, mesmo nesse âmbito específico, busca-se em vão novidades em Cícero. Ele discute as éticas dos sistemas epicuristas, estóico, acadêmico e peripatético; rejeita em bloco a moral epicurista e procede a ecléticos acomodamentos entre as outras. De um lado, ele é levado a admirar sobretudo a moral estóica, de outro, faz concessões à moral acadêmica e à peripatética (por ele consideradas substancialmente idênticas). Cícero não pode, com efeito, aceitar o princípio estóico de que só o sábio é bom e todos os outros são viciosos, porque, observa ele, a sabedoria do sábio estóico é tal, que "nenhum mortal ainda a alcançou", e, por isso, ele propõe que se considere o que existe no costume e na vida comum, não o que existe nas puras aspirações e nos puros desejos. 2
Também para ele o princípio fundamental da moral é seguir a nossa natureza individual no respeito pela grande natureza humana. 3
Essa remissão à natureza do homem, que é alma e corpo, permite-lhe temperar a moral estóica e reinvindicar também os direitos do corpo, pois é necessário viver biologiclamente, isto é, satisfazer as exigências do corpo, justamente para poder ulteriormente satisfazer as da razão. E, assim, por este aspecto, ele se alinha da parte dos peripatéticos, como já Panécio e Posidônio em parte faziam.
Mas, depois, volta aos estóicos, ao remeter a virtude inteiramente à razão, discordando da típica acepção aristotélica da virtude ética como via intermediária entre paixões opostas. E como os estóicos, considera a virtude autárquica e bastante para a vida feliz. Ele parece aliar-se aos estóicos também na concepção do sábio como isento de paixões e imperturbável.
Enfim, também as reinvindicada humana liberdade, na obra Sobre o Destino, vão muito pouco além da pura afirmação de uma liberdade intuitivamente captada: os movimentos voluntários da alma não têm causas externas, mas dependem de nós, no sentido de que a própria natureza da nossa alma é a sua causa.
E quando Cícero desce dos princípios à análise dos deveres intermediários (os kathékonta dos estóicos), então revela todo o seu senso prático; mas aqui não estamos mais no cmapo da filosofia em slentido estrito, mas, antes, no da fenomenologia moral. Assim, é inevitável que todas as notações e observações originais encontradas em Cícero, no âmbito das análises morais, não ultrpassem o plano fenomenológico e fiquem teoricamente informes. As ambíguas respostas aos problemas ontológicos e antropológicos do ecletismo não lhe permitem, por razões estruturais, lançar-lhe mais além.
Como justamente disse Marchesi 4, "Cícero não deu novas idéias ao mundo [...]. O seu mundo interior é pobre porque dá abriga a todas as vozes". A sua maior contribuição está, pois, na difusão e divulgação da cultura antiga e, nesse âmbito, ele é verdadeiramente uma figura essencial na história espiritual do Ocidente. "Mesmo aqui - escreve ainda Marchesi - manifesta-se a força divulgadora e animadora do gênio latino: porque nenhum grego teria sido capaz de difundir, como fez Cícero, o pensamento grego pelo mundo". 5
Notas:
1. De Officiis, I, 43
2. De Amicitia, 5, 18
3. Cf. De Officiis, I, 31, 110
4. C. Marchesi, Storia della latteratura latina, Milão 1978, I, p. 317
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. Vol. III. Edição Loyola. p. 462-464
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