O Sistema da Natureza apresenta a teoria materialista mais completa do século XVIII. Holbach é enfático: apenas existe a matéria, sendo excluída qualquer possibilidade sobrenatural, mágica ou divina capaz de modelar o mundo. E a matéria se organiza e se reorganiza mediante variações de formas, arranjos, disposições e combinações. Esse arranjo próprio faz das coisas o que elas são, em suas peculiaridades.
A matéria existe desde sempre, sendo eterna. Por outro lado, suas combinações são de pouca duração. A matéria vive, suas organizações morrem. Tal estrutura de mundo também vale para o homem, que não está no topo da natureza, mas apenas como fragmento. Enquanto fragmento, o homem age como a matéria age. Qual seu motor? A satisfação de seus interesses. Como a matéria, o homem tende a prolongar seu ser e em durar o máximo possível. Desejo de usufruir, necessidade de conservar, são esses os princípios da máquina humana.
Toda moral reside, portanto, na natureza. Não há qualquer necessidade de recorrer a um deus ou ao sobrenatural. A imanência do mundo é uma necessidade irredutível.
No mundo de Sistema da Natureza a necessidade reina em absoluto. Não sobrevive qualquer possibilidade de livre-arbítrio. O que somos depende de um temperamento explicado pela genética, pelos pais, educação, sociedade, cultura. Todos procedemos de construções afetivas, sensíveis, mentais, intelectuais, conceituais, estruturais. E a propulsão dessa máquina chamada homem é o motivo.
O barão entende a ação como uma escolha entre dois motivos, aquele capaz de produzir maior satisfação ou menor insatisfação. Quando ocorrem dois motivos, o indivíduo delibera. A liberdade, portanto, consiste numa escolha sem motivos. Mas isso é impossível, porque onde quer que vá, o homem apenas encontra a necessidade, o determinismo e o fatalismo inerentes à natureza. Em outras palavras: um motivo.
Ora, se o mundo é regido pelo fatalismo, temos grave crítica à teoria cristã da responsabilidade. Holbach vê como loucura tentar responsabilizar o homem por qualquer que seja a ação, penalizando-o com uma guilhotina, seja com a danação eterna. Tudo o que ocorre, ocorre por necessidade. Por outro lado, apesar de entender a nulidade da pena em si, Holbach a defende e chega mesmo a um elogio da execução. Ocorre que o barão modela sua teoria ética com o consequencialismo. Valores como Bem e Mal, Belo e Feio, não existem enquanto figuras absolutas, imóveis no tempo e no espaço de acordo com a figura cristã, mas dizem respeito às circunstâncias que envolvem a ação. Delito: porque? Onde? Quando? Com quem? Em quê circunstância? Trará a ação algum proveito próprio ou para a coletividade? Esta é a pergunta que merece resposta, a única dúvida que merece ser respondida. Todo crime deve ser punido em defesa dos interesses da coletividade, mas se e somente se ele fez todo possível para modificar os motivos que conduziram o indivíduo ao vício.
Temos em Holbach franca discussão sobre se é possível ser virtuoso e negar deus. A resposta é positiva: sim, é possível ser virtuoso. Isso ocorre porque é dado ao homem alterar os motivos que conduzem sua ação. Lembremos, vícios e virtudes, nenhuma relação possuem com ateísmo. Antes, procedem da organização da matéria e causalidades múltiplas, de um temperamento, de uma educação. Assim, não existem ateus fadados aos vícios nem tão pouco religiosos merecedores do Paraíso.
O ateu é aquele que traz a marca de sua coragem existencial: o ateu olha o mundo em seus aspectos mais trágicos, o fatalismo. O devoto, negando a tragédia específica da natureza, se anestesia em fábulas, se atordoa com ficções e se isola em mitos. Posição falsa, decerto, mas muito mais reconfortante do ponto de vista humano. E é nesse terreno, ao mesmo tempo trágico e envolto na possibilidade de alterar seus motivos pelo uso da razão, que Holbach dita seu lema: usufruir e fazer usufruir. O conjunto de seu sistema vão dar clareira que logo mais será ocupado por alguns atores da Revolução Francesa...
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