Pascal

A princípio pode parecer estranha a inclusão de Pascal (1623-62) entre os racionalistas. Pensador religioso ligado ao movimento de Port Royal, polemista adversário dos jesuítas, autor de uma obra fragmentária, Les Pensées, que é um dos grandes clássicos da língua francesa, Pascal também é o autor da famosa afirmação: "O coração tem razões que a razão desconhece." Além disso, Pascal foi um grande geômetra, escreveu um tratado sobre as secções cônicas (1639) e obras de física (sobre o vácuo) e foi o inventor de uma "máquina de calcular". Foi também um grande defensor da autonomia da razão e da importância da experiência subjetiva, dois pontos centrais da tradição racionalista moderna.


Convertido em 1646 ao jansenismo, uma corrente religiosa católica inspirada no agostinianismo do bispo Cornélio Jansen, com sede na Abadia de Port Royal, Pascal retira-se para essa abadia e dedica-se a uma apologia do cristianismo, que terá sua principal expressão nos Pensamentos (Les Pensées), que começa então a redigir. Não abandona contudo seus trabalhos científicos e vê a "razão geométrica" como complementar à experiência religiosa. Pascal não é assim um místico irracionalista, mas aproxima-se de certa forma do ceticismo fideísta ao apontar os limites da razão, que só podem ser superados pela fé autêntica, e pela experiência religiosa do indivíduo. Daí a famosa distinção entre o "espírito de geometria" (esprit de géometrie), a demonstração racional, e o esprit de finesse, a intuição, vistos por ele como complementares.

Em seus escritos, Pascal elabora o tema da contradição humana, sua grandeza e sua miséria, questão presente na discussão moderna desde as suas raízes no humanismo renascentista, e retomada por ele a partir de suas leituras de Montaigne - que, segundo considera, teria valorizado apenas a miséria humana. Pascal vê no homem um ser pequeno diantte da natureza e de Deus, um finito e limitado, porém capaz de se elevar por sua consciência e por seu pensamento, o que o destaca dos demais seres da Criação.

Em defesa da fé, Pascal formula seu célebre argumento da aposta (le parí), de interpretação bastante controvertida (Pensées, fr. 233). Trata-se de um argumento acerca da existência de Deus: diante da impossibilidade de decidirmos racionalmente sobre a existência ou não de Deus, debemos, segundo Pascal, apostar em sua existência. Esta aposta é, diz Pascal, a atitude mais racional, pois aquele que aposta na existência de Deus não tem nada a perder e tudo ganhar, a salvação, a vida eterna. Esse argumento, que recorre inclusive ao cálculo das probabilidades para defender a uma racionalidade da aposta, tem sido interpretado em diferentes sentidos. Voltaire, por exemplo, considerou que esta era uma questão demasiado séria para ser tratada em termos de uma aposta. Alguns autores interpretaram a aposta em um sentido existencial, como a atitude do crente diante de um Deus que não pode conhecer diretamente. A aposta é interpretada também não como uma prova da existência de Deus, o que de fato não é, mas como um argumento que deve preparar o homem para a crença na existência de Deus, uma etapa que deve levar a fé.


MARCONDES, Danilo. Iniciação à  História da Filosofia. 6 edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. p. 188-189



Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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