Superman e Filosofia

por Breno Lucano



"Meu pai acreditava que se o mundo descobrisse o que sou... eles me rejeitariam. Ele estava convencido de que o mundo não estava pronto. O que você acha?" 

- Superman




Por que ser bom? Por que se submeter a um código moral, qualquer que seja, quando se pode criar seu próprio código? Essas são perguntas que me faço há pelo menos dez anos. Ainda não tenho respostas.

Superman se insere nesse círculo de indagações de forma única e inequalável. No longa Homem de Aço, Jor-El explica que, em Krypton, todos nasciam com um papel determinado: alguns seriam militares, outros cientistas e líderes. Todo o destino das futuras crianças já estava determinado antes mesmo de nascerem. Foi o que ocorreu com Zod, que nascera para ser militar. Jor-El e Lara rompem com a tradição e, pela primeira vez em séculos, dão à luz de forma natural a uma criança. O elemento surpresa, dirá Jor-El, aquele instante em que cada um pode dar a si um rumo, aquele momento em que somos, finalmente, guiados por nossas próprias escolhas. Kal-El não estará mais sujeito a uma pré-determinação: ele mesmo se guiará, fará seu destino, será o escultor de si, edificará sua existência, como Zaratustra. 


De fato, em Homem de Aço, Kal-El não se submete a ninguém, a nenhum governo - embora isso ocorra em alguns HQ. Se entrega aos militares da Terra, mas deixa claro que não se submete. Não se entrega porque eles querem, mas porque há algo maior em mente. A vida do planeta dependia disso. Em algum momento, os meandros nietzschenianos se abrem e dele se afasta. Zaratustra em qualquer hipótese daria a si para ser imolado. Mas Superman não é Nietzsche; tampouco é Zaratustra. 

O símbolo em seu peito representa esperança. Uma esperança que é construída, ela não está pronta. Necessita de reparos e de fortalecimento do próprio Superman. Apesar de oriundo de uma raça superior, Kal-El viveu tempo excessivo entre os humanos para aprender que eles podem não ser confiáveis. Podem mentir, ser ambiciosos. Podem criar desarmonias que poucas vezes viu em Krypton. Podem criar homens como Luthor. Com o tempo, os homens se unirão ao Superman no sol.

Jonathan Kent ensina algo a Kal-El. Mas poderia muito bem ter sido Pascal. Os homens são pequenos, frágeis diante da naturreza. Se o "mundo é grande demais, torne-o pequeno", dirá Martha Kent. Mesmo que o mundo se faça grande, mesmo que a esperança morra, ainda assim o homem será mais nobre do que aquilo que o esmaga, que o destrói, que o rebaixa.   Kal-El parece aceitar os conselhos de seu pai terreno - e de Pascal -, mas ainda resiste. E o padre adverte: mesmo em caso de dúvida, dê um voto de fé. 

Mas a nobreza, dirão, tem seus limites e também consequências. Jonathan Kent morre porque Kal-El acreditou nele. Com o tornado se vão vidas, grandezas, sublimidades. A nobreza não traz recompensas senão a própria nobreza: nem sempre a virtude é uma esolha. Ela não trará Jonathan de volta. Não fará com que Krypton renasça. Sendo um alienígena, estará para sempre determinado a ser um estrangeiro. Como Diógenes, fará do mundo o seu lar. Será um cidadão do mundo, de tudo o que existe. Por isso estará sempre sozinho. Misantropia de Diógenes, misantropia de Superman.

"Será um deus entre eles", dirá Jor-El pouco antes de enviar seu único filho à Terra. Será invulnerável, rápido, conseguirá voar. Com o tempo, os homens o seguirão. Não são más pessoas, apenas precisam de um guia, de alguém que os fortaleça, que os dê esperança. E, como nos Evangelhos, Jor-El envia seu único filho para ser imolado, para ser o guardião, o bode-espiatório. Kal-El ensinará muitas coisas aos homens, assim como Zaratustra.

Peregrino solitário, forasteiro perpétuo, cínico andarilho. Nobre, sem dúvida, mas também só. Um nobre entre tantos outros em dúvida, um convicto entre tantos outros que exitam. Um deus entre os homens sempre aos conduzir. Mas Superman não quer isso. Não deseja que o tratem como alguém excepcional por suas predicações. Prefere ser como um anônimo entre anônimos. Deseja estabelecer laços, mesmo sendo impedido. Preserva o interesse em se conectar existencialmente com os homens, quer ser um deles, estar com eles. E, se for verdade o anúncio evangélico segundo o qual "Ele está no meio de nós", teremos a certeza que Superman também estará. 



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Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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