por Breno Lucano
Criado em 2004, o Projeto Escola Sem Partido possui como proposta o combate à doutrinação ideológica em escolas e ganhou repercussão nacional com o projeto de lei 867/2015 do deputado Izalci Lucas, PSDB-DF. Esse projeto de lei determina como o professor deve se portar em sala de aula, de modo a promover a diversidade, igualdade e inclusão através do livre debate de idéias.
Variadas são as perguntas e entraves que se colocam ao se desdobrar o assunto. Antes de tudo, deve-se pensar que o Escola Sem Partido se auto-denomina sem partido, ou, em outras palavras, um projeto que não possui vertente política. Mas isso se torna questionável se levarmos em conta que o projeto de lei foi criado à pedido do deputado Flávio Bolsonaro. Uma rápida busca pelo site oficial vê-se uma ampla demonstração de política que pretende desmoralizar o PT, Marx e o movimento estudantil.
Apesar da franca argumentação segundo a qual o ESP defende a Constituição, é evidente que ele pretende controlar efetivamente os conteúdos em sala de aula. Num terreno em que não há neutralidade, pergunta-se de que partido o ESP faz parte. Isso porque, antes do estudo crítico de qualquer texto, deve-se contextualiza-lo, perguntar quando ele foi produzido, por quem ele foi produzido, segundo quais interesses. Assim, o dito Projeto Sem Partido, como qualquer outro texto ou lei, deve ser lido sob um enfoque de um documento produzido numa sociedade que possui um momento histórico, político e cultural. E, claro, ele sofre influência do meio.
À medida em que o projeto foi sendo construído, sofreu várias críticas, o que o forçou a sendo sucessivamente redigido. Uma das versões, o projeto de lei 1411/2015 determina a prisão de professores. Isso produz contraste quando o que se pretende é a liberdade de expressão e de crenças.
Os que viveram durante a ditadura, não aqueles que acham que os militares formaram uma barreira ao terrorismo comunista, mas os que viveram realmente a ditadura e tudo o que de negativo ela produziu podem dizer. Havia idéias que não se podia discutir em salas de aula. Poderia ir para a prisão se falasse em golpe; não se poderia falar nas aulas de história sobre Revolução Russa, entre outras coisas. E, da mesma forma, defende-se que hoje, alguns assuntos não poderão ser tratados: a chamada doutrinação ideológica.
A dicotomia gerada entre escola sem e escola com partido não pretende discutir a política em si, mas suprimir algumas propostas educacionais. A educação, como proposto pela LDB, propõe a formação da cidadania, à partir de uma iserção crítica da sociedade e do saber. Essa criticidade é suprimida em nome de uma pretensa liberdade da própria liberdade de educação. Ou melhor, dizem que a liberdade não se produz com a crítica, mas com uma postura não-crítica da sociedade. Não se pode criticar, mas aceitar o mundo posto como está.
O ESP defende, entre outras coisas, que o professor não incite os alunos a participar de manifestações em espaço público. Ora, mas a construção da cidadania surge justamente num momento em que, vivendo coletivamente, o aluno constrói o mundo à partir do espaço público, vendo nas inter-relações, com suas facilidades e dificuldades históricas.
O ESP não poderia ser, historicamente falando, sem partido. Uma das maiores polêmicas geradas versa quanto à questão de gênero, tema maciçamente combatido por setores conservadores da sociedade. Se assim o fosse, teríamos meramente a reprodução de uma sociedade que reitera a dominação do masculino sobre o feminino, indicando os papéis sexuais que devem ser exercidos. Ou seja, há coisas que o homem pode fazer porque é homem e há coisas que a mulher não pode por ser mulher. Figuras como Flora Tristan não seriam lembrados e Maria da Penha não seria conhecida. Os meninos seriam reconhecidos pelo azul e pela bola e as meninas pelo rosa e pelo fogão.
Em última análise, o que se deseja é o sepultamento de Paulo Freire e sua pedagogia. Afirmam que Paulo Freire era um defensor da causa comunista, mas não sabem que o pedagogo apenas leu Marx muito posteriormente. Não se pode interpretar esses dados de outra forma senão que a atividade política não faz parte do processo ensino-aprendizagem e que, desde que nasce, o homem é um ator político. Ensinar que H2O é água, mas que essa água está poluído e tentar construir em sala de aula mecanismos para que ela possa ser disponibilizada para todos de forma potável. E assim se constrói cidadania.
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