por Breno Lucano
Encontramos com facilidade nos livros e manuais de filosofia uma história do pensamento que se instaura na Grécia e se dissipa lentamente por toda a Europa, até chegarmos nos EUA. Assim, com um olhar panorâmico sobre sua linearidade histórica percebemos facilmente que todo o eixo do pensar se concentra nesses pólos: Europa e EUA. Ao fazermos isso, desconsideramos fontes outras da filosofia, como a chinesa, a hindu e africana. A história da filosofia entende por canônica somente aquilo que possui origem na Europa e comete conscientemente um distanciamento proposital de tudo o que dela não provém, como sendo de menor importância ou desprovido de saber legítimo.
A recepção, contudo, da filosofia africana se deu com resistência em razão da própria maneira com que o negro foi trazido ao Brasil. A filosofia africana sofreu longo processo de deterioração de suas raízes porque se entende que tudo que provém da África não seja importante. Temos, assim, um verdadeiro racismo epistemológico: o saber que não se torna relevante em função de suas condições históricas e sociais, mesmo com as figuras de Agostinho, Plotino, Camus e Derrida.
O continente africano é um todo heterogêneo, onde nem todos são negros ou vivem em florestas, nem menos desconhecem a escrita. Apesar disso, concentravam seu pensar fortemente na oralidade. Essa oralidade foi visível especialmente na região abaixo do Saara como mecanismo de substituição da escrita. Era pensar que a oralidade era uma possibilidade de registro posterior à escrita, que nunca seria suficiente para capturar a dinâmica do pensar, por suas substancialidades de potência e fluxo. A oralidade mantém viva e distendida o pensar e a própria cultura dos ancestrais.
É necessário que se pense que, por ser heterogênea, a filosofia africana se multiplica em diversas filosofias africanas. Assim, temos um pensar na África do Sul, outra em Gana ou Moçambique. Cada povo, cada cultura, à seu modo, desenvolveu um pensar individual que a distingue dos demais. Outro ponto crucial para a africanização da filosofia consiste que não basta que o autor tenha nascido na África. Temos autores importantes, como Camus e Derridá que, apesar de sua origem, não escrevem tendo a África como ponto de partida. Antes, contribuem com uma filosofia já existente e consolidada, a canônica Européia. A filosofia africana parte de sua própria estrutura, de sua cultura, produzindo substrato para pensar a partir de suas próprias categorias, universalizando-as.
Para além de Derridá, temos autores que escrevem à partir da África, como o moçambicano José Castiano, autor de um manual de filosofia africana. Temos também Jean-Godefroy Bidima, que trabalha com filosofia política; o sul-africano Mogobe Ramose, com o buntu, entre outros.
Historicamente, vemos importantes filósofos que vieram mesmo antes de um Pitágoras, Sócrates e Platão. Temos os nomes de Ptahhotep, Amenemop e Imhotep como filósofos e pensadores egípcios e, portanto, africanos. Isso nos faz pensar de como, talvez, o berço filosófico não seja o que consta na certidão de nascimento, a Grécia.
Seja qual for o berço, as questões refletidas são semelhantes entre os gregos e africanos. Eles se perguntam sobre o sentido da realidade e da vida, a origem do existir, questões ético-morais e políticas. Estas são questões em comum.
Do ponto de vista educacional, temos o racismo como importante entrave para o impedimento das diversas filosofias africanas. A leitura dessas filosofias consiste em verdadeira maneira de enfrentamento desse racismo. É mostrar que o africano produz filosofia, produz pensar e que isso consiste num combate ao próprio racismo, contrariando a noção segundo a qual o negro não pensa e não produz conhecimento.
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