por Breno Lucano
Um dos filmes mais esperados de 2017 foi Mulher Maravilha, protagonizado por Gal Gadot, heroína precursora do feminismo nos quadrinhos e, seguramente, uma das mais influentes na cultura pop. Sua interferência na filosofia é ainda mais nítida do que a do Superman em face de sua própria criação em 1941 por Willian Moulton Marston, psicólogo famoso pela criação do polígrafo.
Diana provém de Themyscira, uma ilha paradisíaca que, de certo modo, se assemelha ao Paraíso dos hebreus, um lugar de bem-aventuranças e constante felicidade. Mas Themyscira também é a última esperança de Zeus no confronto contra Ares, seu belicoso filho. Suas habitantes, as amazonas, são uma raça semi-divina de mulheres que possuem a guerra como única salvação. Mas não se trata de qualquer guerra, mas uma guerra contra o próprio Ares. Nesse panorama surge a filha da rainha Hipólita, princesa Diana, criada do barro a partir do sopro de Zeus.
Diana apresenta uma pureza essencial de caráter, uma eticidade que, curiosamente, não se assemelha tanto com suas irmãs amazonas. Sua tia Antíope possui, talvez, uma amargura e uma dureza quase estóica que pouco lembra a docilidade de Diana. A rigidez de Antíope talvez se explique por seu contato muito próximo com a guerra, um lugar onde não há honra e o temor rapidamente pode ser convertido em derrota. Antíope representa a perda da esperança, a dureza de uma vida marcada pela Fortuna e onde os acontecimentos ocasionais traçam o destino. Mas Diana, embora bastante influenciada por sua tia, desenvolve sua própria biografia.
Seu desenvolvimento psicológico se assemelha com o do Superman, embora com uma mitologia amplamente diferente. Mesmo sendo educada para a guerra, a lei da espada não maculou sua visão de mundo. Guerreira, certamente; mas também embaixadora, enfermeira, agente especial e, especialmente, mulher. E mulher num período onde o mundo dos quadrinhos carecia dessas figuras, dando margem para a criação posterior de Mulher Gavião, Canário Negro e tantas outras.
Sua ética é fortemente baseada na deontologia: para Diana o dever possuir mais força que a teleologia de um Benthan. Isso a faz proteger os inocentes por uma questão moral, mesmo que isso produza sua própria morte, algo comum entre todos os heróis dos quadrinhos.
Diana constrói sua biografia. Deixa a Ilha Paraíso e parte para a guerra no mundo convencida de que Ares está por trás dos conflitos. À priori, ela não era obrigada. Poderia ter ficado em Themyscira, resguardando-se de todo Mal. Hipólita confirma: "Diana, esse mundo não é para você". Mas o que ela não sabia que as armas contra Ares não eram a espada, o Laço de Héstia e os braceletes. Ela mesma era a arma esculpida por Zeus, única possibilidade de confronto real contra o deus da guerra. E, então, ela parte, deixando para trás sua história, suas irmãs, seu paraíso perdido.
A última batalha do filme é permeada por diálogos que poderiam ter sido ditos por Hobbes e Rousseau. Após perseguir e matar o suposto Ares, General Ludendorff, Mulher Maravilha se espanta porque a Primeira Guerra Mundial não termina. Mas como a guerra não tinha terminado se a própria origem da guerra tinha morrido?
Nesse momento surge Sr. Patrick, o verdadeiro Ares, ressaltando algo sobre a natureza humana. Ares, com cores bem pascalinas, indaga que os homens são pequenos, frágeis, ápteis apenas para o conflito, se auto-destruindo e destruindo os outros homens. Ele, Ares, era o deus da guerra, mas os homens prosseguem na guerra por vontade própria. O Mal era escolhido livremente.
O anúncio da Mulher Maravilha é emblemático: "Eu sou Diana de Themyscira, filha de Hipólita, Rainha das Amazonas. Em nome de tudo o que é bom, sua ira sobre este mundo acabou". Mas a inocência de Diana não contava com a fragilidade humana que Ares conhecia muito bem. Mesmo assim nossa heroína concretiza o argumento pascalino da aposta: existindo ou não influencia de Ares, a Mulher Maravilha aposta positivamente nos homens. Os homens podem ser pequenos e arrogantes, mas não são apenas isso. Eles também podem ser bons e altruístas, contanto que se acredite neles, que os impulsione e os motive.
Se o exílio da Ilha Paraíso foi o preço a se pagar, então Mulher Maravilha cumpriu sua messiânica biografia de defender os homens contra todos os males; ou o que quer que isso signifique.
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