por Breno Lucano
Em tempos de elevada onda ultra-conservadora que varre a sociedade brasileira, variados temas entram em choque com os costumes, como o uso da maconha para fins medicinais e a marcha das vadias. Outros temas, contudo, já foram e continuam sendo de algum modo discutidos, como a reprodução in vitro, a instituição do divórcio, a entrada da mulher no mercado do trabalho, a cultura gay, a legalização do trabalho das profissionais do sexo, entre outros. Um me chamou a atenção: o poliamor.
Conceituamente o poliamor viabiliza a desconstrução da monogamia enquanto imperativo normativo, viabilizando a vivência de variados amores simultâneos e de profundidade e durabilidade. Ele, contudo, não se confunde com poligamia na medida em que a poligamia sugere assimetria de gêneros. Se pensarmos, a título de exemplo, os muçulmanos, apenas o homem pode ser polígamo, constituindo um núcleo familiar formado por um homem com várias mulheres. O poliamor admite, opostamente, a vivência de mais de uma relação amorosa simultânea, tanto de homens quanto de mulheres.
Outros termos surgem com alguma semelhança ao tema, como o swing e as relações livres ou abertas. Contudo, entes possuem conotação nitidamente sexualizada, o que não ocorre com o poliamor. No poliamor, existe a necessidade eminente de profundidade afetiva entre o núcleo familiar. Von Der Weid, no livro Adultério Consentido: Gênero, Corpo e Sexualidade na Prática do Swing, possui ainda outro dado: no tocante ao swing, em particular, embora haja maior maleabilidade entre as relações sexuais, não perdem sua configuração monogâmica. Nele há apenas uma possibilidade de amor.
Antes de escrever este artigo, expus a questão numa rede social e alguns anônimos escreveram suas impressões:
"Este post não contribui para mantermos uma harmonia entre os casais... Pelo contrário, atenta contra os valores da sociedade ocidental que elegeu o modelo judaico-cristão de família. Este é uma forma que externa o pensamento de Antônio Gramsci, o pai domarxismo cultural. Se isso for moderno, é deplorável, efêmero, vulgar e desprezível."
Após interpelar pela tentativa de compreender o evento social sem julgamento, mas com puro senso investigativo, tivemos a seguinte resposta do mesmo anônimo:
"O bizarro, o impúdico, o infrutífero não se compreende, se evita e se reorienta."
Outro anônimo escreve:
"Prefiro não comentar".
Os comentários eram esperados porquanto quando a atenção é centrada na diferença sempre vemos necessariamente ordenações de superioridade ou inferioridade: a monogamia hegemônica será sempre superior moralmente à minoria poliamorosa. A questão política está sempre presente. O movimento poliamor busca dar visibilidade às suas práticas, oferecendo apoio às pessoas que possuem relações não monogâmicas, combatendo o preconceito e fazendo avançar no espaço público o debate sobre as alternativas à monogamia. Em outras palavras, trata-se de traçar nítida resistência ao discurso hegemônico, promovendo a divulgação de outros desejos, outras possibilidades amorosas, criando outros focos de poder e saber sobre sexo.
Com frequência também vemos o poliamor enquadrado no perfil político que situa a monogamia em um regime patriarcal e capitalismo, construindo argumentos dos movimentos feministas, marxistas, anarquistas pós-estruturalistas e queer. Isso faz com os poliamorosos se auto-intitulem como socialistas, libertários, anticapitalistas, apolíticos e ateus.
De acordo com os comentários descritos acima, o poliamor deveria ser classificado como desvio social. Mas aqui cabem algumas perguntas: de que modo a monogamia se tornou hegemônica em nossa sociedade? Ela se torna um instrumento legítimo para expressar o amor ou foi legitimada para atender a um determinado modelo social capitalista que encontrou na família sua menor unidade?
As relações afetivas contemporâneas operam num núcleo de poder que centraliza a monogamia, a heterossexualidade, a reprodução social dentro do padrão burguês e o estreito do corpo, do desejo e do sexo. Em sua história da Sexualidade, Foucault dispõe que sobre o casal monogâmico heterossexual incindiram quatro conjuntos de saber e poder sobre o sexo: a a repressão do corpo feminino, a patologização do sexo na criança, a psiquiatrização do prazer perverso e a socialização dos procedimentos de procriação. Para isso, basta pensarmos se, ao invés de colocar um post sobre poliamor, o que teria ocorrido se eu tivesse postado algo sobre a sexualização infantil nas redes sociais...
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