Prazer Narcótico e a Subjetividade

Aos meus leitores, ofereço meu artigo científico apresentado como TCC na pós-graduação em Saúde Mental na Universidade Candido Mendes. Caso queiram também fazer o download, basta acessar o link no fim do texto.

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PRAZER NARCÓTICO: ESTRUTURA DA SUBJETIVIDADE

Breno de Magalhães Bastos 



RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso objetiva desenvolver a temática do prazer enquanto motivador para o uso e abuso de drogas. Utilizou-se pesquisa bibliográfica, onde apresentou-se as principais drogas usadas no exercício da adicção, bem como algumas motivações possíveis dentro do universo de variados autores que abordam a questão do prazer, desde a antiguidade até o momento pós-moderno, como EPICURO (2005), ARISTIPO (2008), SADE (1999) e MICHEL ONFRAY (1999), entre outros. Procuraremos responder a seguinte pergunta: de que modo o prazer se põe como fator estruturante para a vida psíquica e sua relação com as substâncias psicoativas. Os dados conclusivos estabelecem estreita relação entre o prazer narcótico e a realização humana.
Palavras-chave: Prazer; Drogas; Adicção; Gozo; Incompletude.





Introdução

O presente trabalho de conclusão de curso consolida-se como uma discussão acerca daquela que, entre uma abordagem multidisciplinar, se configura como agente motivador para o uso e abuso de drogas: o prazer.

O prazer é objeto comum de investigação desde a antiguidade, com Platão e Aristóteles, até a atualidade com Freud e Michel Onfray, passando por diversos autores no decorrer dos séculos e tendo variados enfoques. Assim, Aristipo e Epicuro consolidam uma economia hedonista ao conceber uma antropologia voltada para uma vida direcionada pelo prazer, mas guiada e direcionada pela razão. La Mettrie, em seus estudos de anatomo-fisiologia, cria o que passou a chamar de Homem-Máquina – título de sua obra homônima -, cuja única função é a obtenção de prazer. Sade, em seu naturalismo do Mal, vê no gozo e no crime uma condição existencial do homem. Freud associa o prazer à pulsão de vida e estrutura do aparelho psíquico. Com Onfray algo muda.

Michel Onfray, notório autor francês contemporâneo, tece uma arqueologia do prazer na história do pensamento. Toda sua prolífera obra, que atualmente compreende mais de cem livros, possui como único objetivo demonstrar de que modo o prazer foi colocado de lado nas discussões intelectuais por estar necessariamente atrelado à corporeidade. O autor indaga que o materialismo foi sistematicamente preterido em face de variadas performances do idealismo na história do pensamento, onde o real compreende um conceito, uma aspiração, uma construção mental, como em Platão, Agostinho, Descartes, Kant, Freud, Lacan, entre outros. O prazer, contrariamente ao que esses autores pensam, deve abraçar sua dimensão estética, atéia, anárquica e trágica, como em Nietzsche.

Contudo, que difere o prazer de estar com os amigos com o prazer e a fissura pelo uso e abuso de cocaína? De que modo o prazer do ópio é capaz de alterar os sentidos, diferenciar as percepções e dela se tornar dependente? O que há de tão surpreendente na maconha? Seja para onde o prazer for canalizado, há algo que nunca muda, conforme menciona Forschner (2003, p.49-50): “... o prazer é o propósito primeiro e último, inato e, em certo sentido, também inevitável de toda a vida.”

Assim, procuraremos investigar o prazer, construindo-se as seguintes questões que merecem ser norteadoras de nosso trabalho:

De que modo o prazer foi visto desde a antiguidade até a atualidade, perpassando a idade moderna;

Investigar de que forma o binômio prazer-desejo se vincula à noção de satisfação pessoal na adicção;

Apresentação das drogas psicoativas mais conhecidas.

Onfray discursa os mecanismos sociais e metafísicos através do qual a simples menção da palavra prazer se vincula ao proibido e ao tabu. O presente trabalho narra, portanto, a relevância de se descontruir a noção popular do prazer enquanto pecaminoso e objeto que deve ser constantemente escondido, reprimido e castrado. Busca, em última análise desenvolver o ideário da satisfação do desejo como construção do homem pós-moderno.

Para alcançar os objetivos propostos utilizei como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica, realizada a partir de análises pré-existentes encontradas em trabalhos científicos e bibliografias diversas.

Utilizou-se autores que desenvolvem o tema, como Sissa (1999), Aristipo (2008), Sade (2005) e Onfray (1999).


Desenvolvimento

A realidade contemporânea tem colocado novos desafios no modo como velhos temas são habitualmente abordados, especialmente no campo da saúde. O uso e abuso de drogas é um deles. Estudos antropológicos confirmam que na origem de toda civilização o uso de drogas é tema comum como mecanismo de produzir alterações de consciência para os mais diversos fins. Assim, encontram-se referências dos sumérios ao Egito antigo. Homero menciona em Odisseia como algo capaz de fazer esquecer o sofrimento. Entre os andinos, o uso de coca faz parte da cultura assim como as ervas xamânicas amazonenses, conhecida como Ayahuasca.

Por mais de mil anos os mistérios de Eleusis, originados no período ainda pré-homérico, foram símbolo espiritual e cultural helênico. Grandes personalidades da Grécia e Roma participavam do ritual religioso, como os Imperadores Adriano e Marco Aurélio, conforme menciona História Augusta . Embora tenhamos poucas informações sobre a liturgia, sabe-se que suas iniciações se davam pela ingestão de um composto de farinha e menta. Pesquisadores consideram a possibilidade da existência de alguma substância psicoativa em sua composição, o que justificaria o profundo efeito alucinógeno da droga ingerida.

Durante a idade média a Igreja, detentora de poder temporal, passa a considerar o uso de plantas como feitiçaria. A perseguição era tão grande que, no século X, o uso de plantas medicinais tornou-se heresia, haja vista que a doença era entendida como purificação e aproximação do homem a deus. Nesse período a única droga permitida era o álcool, especialmente o vinho, em sua elaboração como sangue de Cristo. Contudo, apesar da perseguição política e religiosa do uso de plantas e ervas, durante a Idade média conseguiu-se acumular determinado saber herbárico e mesmo popular sobre o tema.

A partir do fim da Idade Média e com o Renascimento, com o consequente início do fim do poder temporal da Igreja associado às grandes navegações e contato do europeu com povos orientais, é possível verificar mudanças significativas no comportamento e pensamento das pessoas. Em seus estudos, MacRae (2001, p. 25) afirma que “a possibilidade de um contato mais íntimo com culturas orientais, em que antigos conhecimentos farmacológicos haviam sobrevivido melhor, possibilitou uma retomada gradual do uso de drogas.”

MacRae (2001) indica o século XIX como aquele em que conseguiu-se isolar o princípio psicoativo de variadas plantas, passando a produzir drogas como a morfina (1806), a codeína (1832), a cafeína (1841), a cocaína (1860), atropina (1833), heroína (1883), mescalina (1896) e os barbitúricos (1903). Também foi desenvolvido nessa época o éter, o clorofórmio e o óxido nitroso.

Especialmente nesse período, com a eclosão da psiquiatria enquanto um ramo do saber, o uso de drogas passa a ser amplamente utilizado no tratamento da saúde mental, associado à internalização e à exclusão do convívio social, o que desembocará na luta antimanicomial várias décadas mais tarde. Até então, o uso recreativo por si só já configurava a necessidade de internação, como é o caso do conhecido Austregésilo Carrano  e seu famoso e censurado livro Canto dos Malditos.

As drogas, como toda e qualquer categoria social, sofre interferência do meio estudado. Assim, a cultura determina os padrões de uso, a frequência de utilização e os tipos de drogas consumidas. A diferença mais marcante do uso de drogas no passado das de agora é que elas deixaram de ser um elemento de coesão cultural e emocional, perdendo a capacidade de pertencimento dos indivíduos a determinado grupo, contribuindo para a desintegração.

Em termos epidemiológicos, a Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (BRASIL, 2018) informa que numa pesquisa realizada em 2005, 22, 8 % da população pesquisada já utilizaram drogas, fora o tabaco e o álcool. A estimativa de dependentes de álcool era de 12, 3% e de tabaco 10,1%. Entre as drogas ilícitas, a mais usada é a maconha (8,8 % dos entrevistados), seguido dos solventes (6,1%), benzodiazepínicos (5,6%), anfetaminas (3,2%), cocaína (2,9%) e heroína (0,09%).

O álcool é, de longe, a droga mais usada no Brasil. Dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2003) informam que aproximadamente 20% dos pacientes tratados na rede primária bebem num ritmo considerado de alto risco. Vemos que, no entanto, o foco da atenção está voltado para os aspectos clínicos que envolvem o consumo de álcool e não a dependência em si.

Dentre as drogas ilícitas a maconha é uma das mais usadas no país. Estima-se que tenha vindo para o Brasil por volta de 1564, trazida por escravos, já que se imputa a origem da maconha à África.

A Cannabis sativa é um arbusto silvestre, cuja reside se extrai o haxixe. Seu componente psicoativo é o delta-9-tetrahidrocanabiol (delta-9-THC). O cigarro de maconha pode conter 150 ml de THC e sua dependência é primordialmente psíquica, embora possa ocorrer sintomas tais como ansiedade, irritabilidade, tremores e insônia.

O haxixe é uma droga extraída da maconha. Trata-se de um extrato de sua resina e seus efeitos se encontram meio-termo entre o ópio e a maconha, por possuir maior concentração de THC. São misturados à maconha ou ao tabaco e fumados como cigarro ou cachimbo.

Outra droga muito conhecida é a cocaína, alcaloide com alto poder de dependência, extraída da folha da coca (Erythroxylon coca). Produz danos irreversíveis ao sistema nervoso. Sua substância psicoativa é o 3-benzoiloxi-8-metil-azabiciclo. Pode ser consumida de variados modos, mas geralmente é aspirada quando se apresenta como pó.

Muito comum entre os povos da América do Sul, especialmente Andes, que a mastigam para ajudar a superar a fome, a sede e o cansaço. É uma droga legalizada no Peru e Bolívia sob a forma de chá. Muito usado entre os incas, onde a rarefação do ar tornava o quotidiano muito difícil.

Derivada da cocaína, temos o crack. A pasta não refinada de cocaína é misturada com bicabornato de sódio, soda cáustica e água. Ao ser fervido, a água se evapora e formam as famosas pedras. Ao ser fumado, ouve-se o som “crack” à medida em que está sendo queimado, de onde derivou o nome da droga. Cinco vezes mais potente que a cocaína, suas pedras quando fumadas em cachimbo produzem efeitos que duram até dez minutos.

Queiroz (2008) afirma que o crack surgiu nos EUA em 1983 em função dos altos preços da cocaína. No Brasil foi introduzido nas favelas e guetos das grandes cidades, sendo difícil precisar onde e quando surgiu pela primeira vez.

Outra droga, embora menos consumida no Brasil, mas igualmente importante tendo em vista os agravos nos campos da saúde coletiva e saúde mental é ópio. Extraída da papoula (Papever sommiferum). Dela se extrai um suco leitoso, o ópio, de onde a morfina é derivada. Potente supressor do sistema nervoso. Além do ópio, a papoula também é capaz de produzi a codeína e a heroína. Seus usuários experimentam sensação de relaxamento, de fuga do mundo e de seus conflitos. Sempre ocorre sono e analgesia, de modo que essas drogas são comumente chamadas hipnóticas. Sua dependência é pouco comum no Brasil.

Apresentadas as drogas mais comuns no Brasil, fica a interrogação: por que, apesar de conhecidos os riscos e danos sociais, biológicos e mentais, as drogas ainda são usadas?

Sissa (1999) nos dará algumas pistas ao refletir o prazer enquanto o princípio primeiro da vida psíquica, sendo para a psicanálise, assim como para Aristóteles, o móvel mais poderoso da ação humana. Através de seus meios culturais, quer saiba ou não, o consumidor de drogas dá uma resposta prática à questão humana do bem-estar. Tecer uma narrativa sobre o uso de drogas significa empreender a aventura de uma biografia que executa um ato – talvez mal calculado, mas ainda assim um ato -, na tentativa de anular as inquietações, negociar com o incompleto, a alteridade e o sofrimento. Sissa (1999, p. 12) informa que “o prazer narcótico é fascinante porque duplamente negativo: para além da sensação da dor física, ele é a sedação do mal de viver”. Toda droga é anestésica, mesmo as euforizantes.

A toxicomania se assemelha ao sexo, ao menos num ponto: sua periculosidade. E o perigo reside num ponto bem específico: o desejo. Porque todo desejo deseja não mais desejar, para sempre. Como em Aristóteles, o desejo consiste numa busca constante de categorias, de potência em ato, de movimento por tranquilidade, de caos por serenitude. O viver significa opor-se ao que Freud denomina pulsões. Ou, pelo menos, em sua violência.

Mas o prazer narcótico, bem como todo prazer, possui dupla dimensão existencial. Platão explica essa teoria por meio de Sócrates em Filebo. O desfrute do prazer apenas é seguido de um desprazer, de um sofrimento. A fissura por heroína é anestesiada pelo consumo de heroína, que acalma a mesma fissura. Se o dependente aspira cocaína porque depende dela para ampliar sua percepção, o aspirar dura tanto quanto o pó, o prazer dura instantes, seguido imediatamente do desprazer pela falta do pó e nova fissura. Sofrimento e prazer começam e terminam juntos. Desfruta-se do prazer porque se deseja, tanto quanto o desejo persistir, até o momento que o desejo for aplacado para, posteriormente retornar.

Todo prazer é agradável, mas muito curto. E, sendo seguido logo atrás pelo sofrimento, torna o próprio prazer em absoluto inatingível. A análise platônica finda com a seguinte arguição: prazer é devir.

Se Platão e Aristóteles vão pela via da insaciabilidade, Aristipo vai por outros terrenos. Nesse arquipélago, o prazer estanca o desejo e o devir - o desejar, completar para depois desejar novamente. O prazer cirenaico merece alguns instantes de atenção, pois distingue-se de muitos outros.

O gozo de Aristipo representa o movimento, a energia, a vitalidade. Inaugura aquilo que, com Nietzsche, poder-se-ia chamar o grande sim à vida, a aceitação da existência na menor de suas eflorescências. O prazer é um movimento suave e agradável, a dor um movimento violento e penoso. Todos os seres vivos buscam o prazer e fogem à dor.

Mas de que prazer estamos falando? Qual desprazer deve ser evitado? Aristipo nos dá algumas respostas na ocasião em que é acusado de manter relações sexuais com uma cortesã de nome Laís, conforme relatado por Diógenes Laércio (2008, p.66): “Possuo Laís, mas não sou possuído por ela; abster-nos de prazeres não é o melhor, e sim dominá-los e não sermos prejudicados por eles.”

Na aritmética do controle das pulsões, do prazer que se pode e o desprazer que se evita às custas de uma psicologia moral, surge o hedonismo enquanto busca da alegria e da vitalidade, via fácil de acesso à afirmação. Nessa perspectiva se insere Michel Onfray (1993, p. 144), ao afirmar que “um prazer pessoal, sem o outro, pode rapidamente tornar-se um prazer apesar do outro, contra ele, O hedonismo é a preocupação de júbilo para si ao mesmo tempo que para o outro.”

O prazer narcótico não se difere de outros prazeres. Nenhum prazer se diferencia de outro prazer. Ele pode ser uma afirmação quando em júbilo com o outro, ou ser sucedido pela dor quando à pretexto do outro, apesar do outro. Gozar e fazer gozar, portanto, a fim de dar sentido às relações que um sujeito pode manter, primeiro consigo mesmo, depois com os outros. Insere nesse ponto a fórmula geral da antiguidade, comum a todas as escolas, embora com tonalidades diversas: a questão não é o que se deseja, mas como se deseja.

Com Onfray abre-se franca guerra contra o niilismo, verdadeiro fator que leva o homem a se perder, elegendo prazeres despropositais e produzindo seu próprio sofrimento. Volpi (1999, p. 8) indaga que o “niilismo é a sensação de desnorteamento provocado pela falta de referências tradicionais que motivam a caminhada humana”, é o pensamento obcecado pelo nada. Onfray defende que o niilismo seja ultrapassado, já que apenas a partir de um hedonismo que abre espaço ao outro produz alegria, júbilo e elegância. Um prazer pessoal, desconectado com o outro, pode rapidamente tornar-se um prazer contra o outro, apesar do outro.

Como fuga do niilismo, Onfray elege o hedonismo como condição substitutiva e radical que despreza o outro. Opostamente, o hedonismo se põe como condição que defende o exercício da singularidade e da individualidade, sem descartar e sem perder de vista os demais. E, para a obtenção desse júbilo e, consequentemente, de uma personalidade singular, Onfray expõe o que ele chama de eumetria. João da Mata (2007, p. 102) explica essa tese onfrayriana:

Eumetria é utilizado pelo autor e refere-se ao equilíbrio no movimento como condição pelo qual o hedonismo se baseará no arranjo das forças entre as partes envolvidas na relação, para que se estabeleça assim, uma relação ética. Apenas por meio desse equilíbrio é possível pensar o materialismo hedonista e sua prática libertária no cotidiano.

Surge, então, a elaboração desta expressão de arte e a criação da escultura de si: deseja-se esculpir sua própria escultura, dar seus contornos e formas na elaboração de uma arte que aconteça no cotidiano. A elegância e o prazer de si serão os guias que, segundo o autor, darão os desenhos e as curvas, para esculpir sua própria estátua, organizando o querer, subvertendo a ordem das coisas de maneira mais expressiva possível. Cada momento e cada situação são constituídos de uma atitude que reforça e alimenta sua estátua, numa confluência entre ética e estética. O prazer se torna inegavelmente motor de realizações, mas mais que apenas isso. Ele é o caminho para a transmutação da vida em arte.

Partindo da afirmação nietzschiana de que cristianismo se consolida como platonismo para o povo, Onfray analisa a influência do platonismo e seu impacto no dualismo cristão alma-corpo que busca distanciar o prazer da experiência humana. Afirma continuamente no decorrer de suas dezenas de livros que o discurso apaziguador e dócil do cristianismo esconde o verdadeiro objetivo de sua moral: a restrição à liberdade e à vivência do prazer com a perspectiva de alcançar a purificação e a vida eterna do devoto. Propõe o ateísmo como uma perspectiva lúcida diante das coisas, a forma mais racional e clara de encarar a realidade em sua crueza e eventualmente em sua beleza.

Um contraponto dessa proposta é apresentado por Sade. O Divino Marquês propõe um prazer solitário, egoísta: o gozo é melhor desfrutado quando o outro – a vítima - não participe desse prazer. Até pelo contrário, é preferível que sofra.

O que se deseja quando se goza? Que todos aqueles que nos rodeiam só se ocupem de nós, só pensem em nós, só cuidem de nós. Se os objetos que nos servem também gozam, ei-los mais ocupados consigo próprios do que conosco, e consequentemente nosso prazer será prejudicado. Não há homem que não queira ser déspota quando sente tesão. (SADE, 2009, p. 176)

Em Sade, o gozo é um direito natural do homem, mesmo que isso incorra – o que frequentemente ocorre – em sofrimento alheio, tortura, sodomia, homicídio. O Divino Marquês segue pela via da apatia, pela negação do outro. O gozo se justifica por si mesmo às custas da negação das subjetividades e também por aquilo que a natureza produz. Ser apático, seguindo tenuamente os autores estóicos, parece ser a alternativa que resta ante um mundo genuinamente mal e perverso.



Conclusão

De acordo com a exposição, verifica-se que o toxicômaco não aparece mais como aquele imaturo que regride e transgride, se conduz de modo irracional, mas como um adulto que, ante seus dilemas, encontra seus remédios específicos. O ópio mantém suas promessas e leva ao gozo absoluto, tendo, como inconveniente, que sua satisfação se torna instável e cada vez mais difícil de ser atingida, apesar das crescentes doses.

O prazer narcótico se torna exigente porque o desejo não cessa. Mas não mais que qualquer outro prazer. A busca por satisfação move a subjetividade de um lado para o outro, promovendo sua insatisfação posterior ao prazer obtido. Não considera, contudo, a possibilidade do controle do que se deseja.

Para além do estado passional do sentir gozo, encontra-se o fazer gozar, numa intrincada relação hedonista.  Como alternativa do insaciável enquanto resposta à perene inquietude surge o prazer não mais enquanto gozo individual, despersonalizado e vulgar, mas um júbilo que consolida a própria personalidade em sua individualidade singular, única e esteta. E, por isso mesmo, solar.




Referências

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CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos Pré-Socráticos a Aristóteles. Volume 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

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MACRAE, Edward. Antropologia: Aspectos Sociais, Culturais e Ritualisticos. São Paulo: Editora Atheneu, 2001.

MATA, João da. Prazer & Rebeldia: O Materialismo Hedonista de Michel Onfray. Rio de Janeiro: Achiamé, 2007

ONFRAY, Michel. A Arte de Ter Prazer: Por um Materialismo Hedonista. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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QUEIROZ, Vinícius Eduardo. A Questão das Drogas Ilícitas no Brasil. 2008. Monografia (conclusão de curso). Universidade Federal de Santa Catarina, curso de Ciências Econômicas, Florianópolis. Disponível em: http://tcc.bu.ufsc.br/Economia292028.pdf. Acesso em 06 out. 2018.

SADE, Marquês de. A Filosofia na Alcova. São Paulo: Iluminuras, 2009

SISSA, Giulia. O Prazer e o Mal: Filosofia da Droga. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

VOLPI, Franco. O Niilismo. São Paulo: Edições Loyola, 1999.


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