Como todos sabem, sou cristão católico, ex-seminarista da Ordem Franciscana. Isso me levou a pensar algum tempo sobre a problemática da esperança que, para o cristão é tão importante. Encontrei uma única saída teórica capaz de justificar a esperança e diferenciá-la da Stoá.
Penso que o problema resida no entendimento de tempo e espaço. Entre os cristãos, o tempo é fundamentado sobre um têlos. Todos os eventos - tanto naturais quanto humanos - culminam para um fim específico que é imprevisível para os homens. Talvez possa-se pensar que esse fim seja bom - constatada a natureza da divindade -, mas dada a dificuldade cognitiva de captar o funcionamento de meios e propósitos, não há como ter certeza do que ocorrerá no futuro. E, uma vez que se vive segundo essa incerteza, a única forma de viver é segundo a esperança. O Juízo Final, a consumação da existência, é certeira. O fim é real. É muito expressivo o último versículo do Evangelho de Mateus:
"[...]E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!" 1
Além disso, o modelo teleológico cristão também se expressa através de um imutável direcionamento das coisas à sua origem. Origem e fim convergem necessariamente para o mesmo universo, num contínuo processo e conversão. Boécio noticia que
"... a realidade como um todo é um ciclo permanente de procedência (processio) de Deus e retorno (conversio) a Deus." 2
No Pórtico ocorre outro raciocínio porque a relação espaço-tempo é outra. O tempo não é teleológico - não está previsto um fim -, mas palinginésico - a cada momento coisas devem morrer para que possam renascer. A fórmula básica de entendimento da Stoá é ação e padecimento. Não esqueçamos que o tempo é um incorpóreo e, enquanto tal, desprovido de realidade concreta. Passado e futuro não existem; antes, subsistem unicamente como incorpóreo. Sexto Empírico, Crisipo e Nemésio teorizam sobre o tempo estóico:
"O incorpóreo por sua natureza não é capaz de agir, nem de padecer." 3
"[O tempo] é o intervalo do movimento no cosmo." 4
"Os estóicos dizem que quando os planetas voltam ao mesmo signo, seja quanto à longitude seja quanto à latitude em que cada um estava no princípio, quando o universo se constituiu na origem, nesses períodos de tempo advém uma conflagração e uma destruição dos seres; e novamente o cosmo se refaz do princípio; e de novo, movendo-se os astros, no mesmo modo, cada evento acontecido no precedente período outra vez se realiza, invariavelmente. E existirão de novo Sócrates e Platão e cada um dos homens com os seus mesmos amigos e cidadãos; e as mesmas coisas serão acreditadas e as mesmas coisas serão tratadas, e toda cidade e vila e campo igualmente voltarão. E este retorno de todas as coisas advirá não uma só, mas m8itas vezes; antes, ao infinito e sem fim as mesmas coisas voltarão [...] Nada acontecerá de estranho ao que antes aconteceu, mas tudo voltará do mesmo modo, invariavelmente, até nos mínimos pormenores." 5
A estrutura básica temporal estóica invalida a esperança porque está vinculada com o presente. Entre os cristãos não se sabe como será o fim: a esperança é necessária. Na Stoá tem-se a certeza de que o real perecerá para retornar a ser real: não há motivo para a esperança. No primeiro caso, a esperança se vincula com o aion, o tempo não mensurado, a eternidade, que valida a ética e o modus vivendi. No segundo, o kairós, o momento, o instante, que caracteriza o alvo do modus vivendi.
Notas:
1. Mt, 28:20
2. cf. Baltes, p. 289
3. Sexto Empírico, Contra os Matem. VIII, 263 (= von Arnim, S.V.F., II, fr. 363)
4. Cf. von Arnin, S.V.F., II, fr. 509-521
5. Nemésio, De Nat. Hom., 38, p. 277 (= von Arnim, S.V.F., II, fr. 628)
Bibliografia:
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. Volume III. São Paulo: Loyola, 1994.
Bíblia de Jerusalém. Les Éditions Du Cerf, Paris, 1998. Ed. Revisada e Ampliada.
BALTES, Mathias. Boécio. In:__ ERLER, Michael & GRAESER, Andreas, org. Filósofos da Antiguidade 2: Do Helenismo à Antiguidade Tardia. UNISINOS: São Leopoldo, 2003.
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