Ninguém duvida que Meslier foi o fundador da exegese atéia, mas foi o Barão D'Holbach quem a desenvolveu de forma sistemática. Profundo conhecedor dos textos bíblicos, afirma categoricamente que muitos cristãos desconhecem a mitologia fundamental de sua fé e crêem antes por hábito e tradição que por convicção intelectual.
A exegese do barão é tomada ao pé da letra. Lê-se um texto, confronta-se com outro seguinte que diz o inverso, compara-o com um terceiro que desmente os outros dois. O Espírito Santo é o autor divino, sendo, portanto, expressão de verdade. Não há espaço para incongruências e imprecisões lógicas e factuais. Mas como submeter não dez ou cem imprecisões, mas apenas uma, ao crivo de deus? Holbach aponta um número incrível de erros em cada narrativa... Portanto, a conclusão a que se chega é que deus não possui qualquer relação com a composição dos textos.
A bíblia, livro escrito por homens para outros homens, concentra variadas antíteses sobre deus. Ele é ao mesmo tempo magnânimo e colérico, elevado e vingativo, bom e irado, justo e impiedoso, perdoador e rancoroso. Deus apresenta uma incrível coleção de qualidades contraditórias, o que desafia qualquer possibilidade logica.
Jesus? Um charlatão que se faz passar por mágico, fundamenta suas ações nos anúncios do Antigo Testamento para que o povo acredite que ele é o Messias esperado, o cordeiro de deus. Anuncia profecias que nunca se cumpriram, como a salvação do mundo. A crucificação ocorreu, mas o mal continua disperso no mundo.
Holbach propõe uma genealogia de deus. Ou melhor, duas. A primeira estabelecida a criação de deus por homem por medo da morte. Em resposta à mortalidade, compõem um ser imortal, imutável, incorruptível, imaterial, capaz de garantir a sobrevivência humana por toda a eternidade. Na segunda, o autor de Sistema da Natureza (1770) argumenta que o homem não admite não saber e prefere uma falsa resposta a uma pergunta em suspenso. A qualquer pergunta, como de onde vem o mundo, para onde ele vai, quem somos nós, qual a lógica da matéria, tem-se as respostas como desejo de deus, poder de deus, projeto de deus, mistério de deus. A ignorância da natureza e suas leis produz deus.
Holbach também se volta para os primeiros cristãos. Como uma pequena seita se torna um grande e belicoso império? A resposta da igreja funciona até hoje. Os tempos estavam prontos para a chegada do Messias. Ele veio e a transição entre cristianismo e paganismo se deu suavemente. O autor de Exame Crítico da Vida e dos Escritos de são Paulo (1770) diz o contrário. Foram necessárias a violência, a brutalidade e as perseguições cristãs, todas permeadas pela comovente e oportuna conversão de Constantino. Contra o poder do Espírito Santo, várias alianças entre o clero e o poder temporal foram fundamentais para a fixação do corpo ideológico. A disseminação cristã não foi obra de deus, mas dos homens.
Sobre a questão do suicídio, o cristianismo o veta. Deus, dizem, é o único com poder para dispor da vida, embora exista apologia ao suicídio lento nos detalhes da vida comum pela supressão das pequenas alegrias cotidianas, aquelas que se é possível ter sem prejudicar a si nem a outrem. Holbach se pergunta: que seria uma divindade que dotasse os homens do poder do prazer mas os proibisse formalmente? Buscando sua felicidade, a religião propõe o contrário: a dor, o sofrimento, a amargura. Em prece, ajoelhado, assim submetido, o homem se transforma de protagonista a figurante de sua própria vida.
As virtudes cristãs, fábulas. Vejamos. Caridade: impede a justiça. A ordem social é deus quem quer, já que, conforme são Paulo, tudo provém dela. De tempos em tempos, para ganhar o paraíso e aprovação social, o rico dá ao pobre. O pobre alcança o Reino porque aprende a se submeter conforme a humildade cristã e o rico porque presumidamente se compadece dos infortúnios alheios.
A Esperança: ao remeter para o depois uma justiça que nunca ocorrerá, impede-se a implementação neste mundo aqui e agora. Por isso impede-se qualquer progresso político e qualquer transformação social. Tudo se resolverá com fé.
Holbach também ataca o amor ao próximo. Perdoando as ofensas, dando a outra face, abolindo as armas, poe-se em risco a soberania nacional sem soldado, sem polícia, ficando à disposição dos mais violentos - era o que Helvétius também pensava. Finalmente, o convite ao desprendimento. O que ocorreria caso todos distribuíssem seus bens? Retorno ao estado de natureza, onde todos vivem como animais.
Todas essas virtudes são contra-produtivas porque, generaliza a pobreza, enquanto o rei e o clero zombam dessas lições e vivem no luxo, na devassidão e no gasto excessivo. Aqui se encontra o centro da crítica holbaquiana: a moral ascética determina a submissão do súdito em face da prodigalidade dos ricos.
Como resolver tal estado de coisas? Pela instrução. A ignorância das leis da natureza é causa da invenção de deus; logo, a destruição de deus e de toda forma de religião se segue à construção de um forte edifício sustentado por dois pilares: ateísmo e materialismo. Mas isso é assunto para o próximo artigo.
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Holbach e o Desejo de Usufruir e Conservar
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