Sendo a destruição uma das primeiras leis da natureza, nada que destrói poderia ser um crime. Como uma ação que serve tão bem à natureza poderia alguma vez ultrajá-la? Aliás, essa destruição que deleita o homem é uma quimera. O assassinato não é destruição. Quem o comete só varia as formas. Ele devolve à natureza elementos de que sua hábil mão se serve para imediatamente recompensar outros seres. Ora, como as criações só podem ser prazer para aqueles que se entregam a elas, o assassino também prepara um gozo para a natureza: fornece-lhe materiais que ela imediatamente emprega, e a ação que os tolos tiveram loucura em censurar revela-se apenas um mérito aos olhos desse agente universal. É nosso orgulho que se lembra de edificar o assassinato em crime. Estimando-nos como se fôssemos as primeiras criaturas do universo, imaginamos tolamente que toda lesão que viesse a sofrer essa criatura sublime deveria necessariamente ser um enorme crime. Acreditamos que a natureza pereceria se nossa maravilhosa espécie desaparecesse do globo, quando a destruição total dessa espécie, restituindo à natureza a faculdade criadora que ela nos cede, lhe devolveria a energia que lhe roubamos ao nos propagarmos. Mas que inconsequência Eugènie! Então um soberano ambicioso poderá destruir à vontade e sem o menor escrúpulo os inimigos nocivos a seus projetos de grandeza... leis cruéis, arbitrárias, imperiosas, poderão da mesma forma assassinar em cada século milhões de indivíduos... e nós, fracos e infelizes particulares, não podemos sacrificar um único ser às nossas vinganças ou aos nossos caprichos? Existe algo mais bárbaro, mais ridiculamente estranho? E não devemos, sob o véu do mais profundo mistério, nos vingar amplamente dessa inépcia?
SADE, Marquês de Sade. A Filosofia da Alcova. São Paulo: Iluminuras, 2008. p. 66
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