Por Breno Lucano
Dentre tantas ações e escolhas, pode-se culpabilizar apenas aquele que age e escolhe errado ou conscientemente. Assim, deve-se eximir de responsabilidade moral a quem não tem consciência daquilo que faz, quem ignora as circunstâncias, a natureza ou as consequências de uma ação.
Assim, por exemplo, aquele que dá a um neurótico um objeto que lhe provoque uma reação inesperada de cólera não pode ser responsabilizado por não ter consciência de que se tratava de alguém que teria essa reação. Por não conhecer esse neurótico, não seria possível prever que tal objeto lhe causaria uma reação tão negativa. Mas, claro, não basta saber que se ignora as circunstâncias para eximi-lo totalmente da responsabilidade. Deve-se acrescentar não só que não conhecia, mas que não poderia e não teria obrigação de conhecê-las.
Por outro lado, imagine agora que os familiares e amigos do tal neurótico o estimulam e o incentivam a ir numa residência que possua tal objeto e lá ele manifesta sua ira. Nessas circunstâncias particulares, pelo conhecimento de que o neurótico necessariamente desenvolveria tal comportamento poderia se dizer que houve responsabilidade e, portanto, culpa. Veja que, num caso, a ignorância exime da responsabilidade moral e, no outro, a justifica.
Mas faça-se a seguinte pergunta: a ignorância é sempre uma condição suficiente para eximir da responsabilidade moral? Vejamos outro exemplo. Um motorista de ônibus faz uma longa viagem noturna, mesmo com seus faróis danificados. Numa dada curva, não vê um carro que estava parado logo à frente em função dos próprios faróis, colidindo e causando prejuízos. Mas a desculpa dos faróis nesse caso específico não pode ser moralmente aceito porque ele poderia e deveria ver o carro enguiçado se tivesse feito a manutenção dos faróis já que esta era sua obrigação moral. Nesse caso, o motorista ignorava que existia um carro à frente, mas poderia e deveria não ignorar essa possibilidade.
Logo, deve-se eximir de culpa a ignorância apenas se não existissem possibilidade de conhecer. Aquele que não sabe se torna responsável por não saber o que deveria saber. Conhecer e poder agira se tornam critérios.
Contudo, apesar da ignorância das circunstâncias, do caráter moral da ação (da bondade ou maldade da ação) e de suas consequências, não podem, de modo algum, estarem desvinculados do nível de desenvolvimento moral do sujeito e do estado de desenvolvimento histórico da sociedade em que esse sujeito vive. Assim, uma dada criança que, em face de seu desenvolvimento, não acumulou experiências sociais capazes de lhe fazer visualizar as consequências de suas ações, além de não conhecer a natureza boa e má das coisas, não pode ser responsabilizado por sua ignorância. Algo semelhante poderia se afirmar se considerarmos um adulto vivente numa sociedade qualquer num dado momento histórico qualquer.
Ora, deve-se recordar que a estrutura econômica-social de uma sociedade viabiliza e inviabiliza determinados parâmetros morais e, portanto, no comportamento do sujeito. Nas antigas comunidades coloniais brasileiras apenas as relações entre homens brancos poderiam ser moralmente aceitáveis. As relações entre brancos e negros não poderiam ultrapassar as barreiras comportamentais de um dado limite histórico. Daí decorre o tratamento ao negro como um simples objeto do qual se poderia dilapidar a qualquer momento, se assim fosse o desejo de seu senhor. Considerando o nível de desenvolvimento social e mesmo cultural dessas comunidades, não se poderia responsabilidades os ricos fazendeiros por suas ações que, hoje, são entendidas como desumanas. Não se pode responsabilizar pelo que se ignora socialmente.
Resumindo: a ignorância das circunstâncias, da natureza e de suas consequências pode eximir o sujeito de suas responsabilidades se, e somente se, esse sujeito em questão não for responsável por sua ignorância. Em outras palavras, quando não se encontra na impossibilidade subjetiva (por meios pessoais) e objetiva (por motivos histórico-sociais) de ser consciente de seu ato pessoal.
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