Tornar-se o que se é

por Breno Lucano

Enquanto um personagem na história da filosofia, Nietzsche normalmente é colocado como um divisor de águas, alguém capaz de dividir a história antes e depois dele. Assim o pensa Jaspers, já que, antes dele, tínhamos o conhece-te a ti mesmo socrático e, depois, a história se desemboca numa profunda insatisfação quanto à racionalidade e pela quebra das autoridades até então existentes.

Weber entende que o mundo onde nós existimos em termos de pensamento é um mundo cunhado pelas figuras de Marx e Nietzsche. Fato é que o filósofo estende sua figura para além da filosofia, abraçando campos como a literatura, poesia e belas artes, tornando, talvez, o mais famoso pensador alemão. A partir de sua obra aparentemente fragmentada, mas marcadamente vitalista, Nietzsche vê o filósofo como aquele capaz de construir sua própria morada num constante embate contra a moral.



Frequentemente mal interpretado - em parte em função de seu estilo literário -, foi um crítico feroz da religião, da moral e da tradição filosófica ocidental. E grande parte dessa criticidade se dirige ao cristianismo e suas noções morais sobre as quais o Bem se instaura no âmbito do humilde, do pequeno, do servidor enquanto o mal é o forte, o enérgico e o ativo, consolidando o que Nietzsche entende como sendo um mundo dividido entre senhores e escravos. Seguindo os passos de Goethe, que dizia que a humildade é o postulado dos vagabundos, assegura que a humildade é boa para os vermes. Em Humano, Demasiado Humano, chega mesmo a propor uma nova versão para o famoso versículo bíblico de Lucas, 18: 14: "Quem rebaixa aos outros, quer elevar a si mesmo". Segundo sua versão, teremos: "Quem rebaixa a si mesmo, quer ser elevado."

Avesso à humildade, costuma elevar seus escritos às alturas quase celestiais. Declara no prefácio de Ecce Homo que seu Zaratustra é o centro de sua produção, o mais elevado dos livros produzidos pela humanidade e que a própria humanidade está irremediavelmente abaixo dele.

Além do bem e do mal, aí está ele, Ecce Homo: "eis o homem".Os príncipes dos sacerdotes e os ministros gritaram: "Crucifica-o!", e o transformaram naquilo que ele nunca quis ser, o fundador de uma religião filosófica, o expoente de uma filosofia guiadora de almas.

Guiando ou não, o problema Nietzsche foi posto. E, através dele, podemos ver como a gente se torna o que a gente é.


Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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